terça-feira, 6 de junho de 2017 0 comentários

Sair da Crise (Publicado no jornal Folha dos Lagos, edição de 03/6)



Não é novidade para nenhum brasileiro que estejamos vivendo momentos de crise. Entretanto, tenho me perguntado a razão pela qual concentramos nossos esforços apenas no que tange os indicadores e, sobretudo, nos arranjos que possibilitam meramente o retorno de uma situação indesejada para um tempo que, se não era melhor, pelo menos oferecia certa previsibilidade.Na minha opinião isso é pouco. Muito pouco. O econômico prevalece tendo em vista o enfrentamento de atrasos salariais, rombos, desvios , fraudes e toda sorte de problemas ocasionados pela gestão temerária que contava, até os dias em que a justiça dormitava, com a quase certeza da impunidade. Os tempos são outros, mas as soluções parecem ser as mesmas. Ao invés de aproveitarmos os momentos ruins como alavancas criativas para a inserção de nossa sociedade no século XXI, voltamos às velhas práticas messiânicas, dos salvadores personalistas e de modos de se ratear o poder de maneira a que os esquemas de sempre se camuflem ou na discrição ou na pele imberbe das novas caras, filhotes diretos ou indiretos das velhas raposas.

Por isso me arrisco a dizer que não estamos numa única crise. Estamos vivenciando um conjunto de crises sobrepostas. A econômica talvez seja a mais auto evidente, mas temos outras de tamanha importância como a crise na ordem dos valores. Elementos estruturantes de qualquer sociedade, os valores que notoriamente necessitam ser redescobertos e ressignificados com urgência, como a solidariedade, a fraternidade, a ética, a honestidade e o respeito, poderiam ser o alicerce ou mesmo o estopim de uma explosão revolucionária da condição do ser humano. Mas nós só discutimos números e indicadores.

Não há como pensar uma saída definitiva para crise sem assumirmos um compromisso com a redução da pobreza e da desigualdade. A pobreza é estruturante também, pois cria mecanismos muito difíceis de serem superados pelo mero esforço pessoal.  E esse cenário piora ainda mais quando mesclado com outras condicionantes como a violência. A saída da pobreza não será unicamente pela porta do consumo facilitado, que mais endivida do que estabiliza. Ainda que o consumo seja um fator importante, o que está por trás dessa relação é a posse de algo como objeto de reconhecimento social. Em outras palavras, nós compramos algo para existir para o outro. Sob esse prisma dá para pensar na quantidade de pessoas que hoje não existem ou estão tentando se tornar visíveis.


A educação, obviamente, é uma das saídas permanentes para o conjunto das crises. Entretanto, ainda temos uma das mais arcaicas do mundo contemporâneo. Nossa incapacidade de gerar pensamento teórico e metodológico compatíveis com as demandas atuais só perde para nossa gestão, ainda aferroada a práticas que pouco diferem do matriarcalismo/patriarcalismo. Enquanto oferecermos aos planos politiqueiros a prerrogativa de nomear os condutores dessa instância, sofreremos terminantemente com o atraso, com o improviso ou, o que é pior, com o tipo de gestor que, viciado em redes sociais e mídias, anuncia uma chuva de reuniões, iniciativas, projetos e tratativas, sem que nenhuma produza efeito. É a sociedade do espetáculo onde o estar fazendo (quantitativo) é visto como sinal de produtividade, mesmo sem nenhuma efetividade. Se desejarmos deixar de ser um ponto fora da curva do progresso e do desenvolvimento, teremos que repensar de modo mais holístico o que chamamos de crise e tentar solucioná-las com algo que é valorizado em qualquer país desenvolvido, as pessoas, os valores e o conhecimento.
 
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