terça-feira, 29 de agosto de 2017 1 comentários

Soco de Esquerda (Publicado no Jornal Folha dos Lagos de 26/8/17)



Muito pior do que a agressão a um profissional, como foi o caso recente da professora atingida por um soco pelo seu aluno, são os comentários e reflexões postadas nas redes sociais por lideranças religiosas, políticos de mandatos e por sua cáfila de seguidores. Como entender o argumento de um indivíduo que fala abertamente que as opções políticas de uma professora, mesmo as equivocadas de acordo com os princípios de quem critica, são igualmente medidas pela mesma régua, ou seja, riu e apoiou a “ovada” em político? Agora agüenta calada...

Se não fosse trágico, seria cômico um pastor defender que os seguidores ou estudiosos de Paulo Freire são igualmente merecedores desse tipo de iniciativa pois, segundo sua rasteira e pífia interpretação do que não leu e muito menos conhece, seria Freire o responsável pela retirada da autoridade do professor ao qualificar os alunos, como o agressor em questão, como um bando de coitadinhos.

Como um estudioso e prático do assunto, tenho o pleno direito de discordar de Freire em alguns pontos, concordar em muitos outros, mas nunca o vi dizendo que os papéis de professor e alunos se misturam ao ponto do profissional perder sua posição no processo de ensino-aprendizagem. Tampouco o vi usar o termo “oprimido” como escudo aos violentos e transgressores, mas como a percepção lúcida de quem sofre com uma educação de qualidade limítrofe, de empregos de baixo ganho e muita exploração, de uma vida pouco além do que seria necessário para não ser indigente.

Não lembro igualmente de ver Paulo Freire usar o nome de Deus para curas falsas, mesmo para os males do analfabetismo e da ignorância... Não o vi tomar o dinheiro do mais pobre, desse tal oprimido, prometendo a ele o milagre de uma prosperidade material. Não o vi enriquecer assim para servir de exemplo de como Deus é bom com uns a custa da manipulação de muitos.

O que essas pessoas desejam quando falam de “autoridade do professor”? Como são absolutamente leigos e rasos no assunto, advogam uma escola na qual a violência seja a pedra de toque de uma obediência cega, absoluta, marcial. Que o professor tenha a licença para usar de todos os meios, inclusive o físico, para seviciar e docilizar os corpos dos seus alunos. Faltou apenas aparecer a hashtag “#VoltaPalmatória”. São os mesmos que falam aos ventos que a escola pública é doutrinadora de esquerda. Se houvesse tanta doutrinação como dizem, o país já seria comunista há décadas. E não vale dizer que só não viramos porque eles, os verdadeiros patriotas, soldados do Deus verdadeiro, não deixaram isso acontecer.

A violência nas escolas não é um problema causado pela esquerda. Não é causado por professores de esquerda. Não é culpa de Paulo Freire, de Marx, Engels ou do PT. É um produto cruzado da sociedade que somos, com muitas e complexas causas.  Mas como entender isso quando se diz que, se é de esquerda tudo bem, pode apanhar ou aluno bom é aluno morto?


Paulo Freire ainda faz falta.
domingo, 20 de agosto de 2017 2 comentários

O Despertar da Ignorância (Publicado no jornal Folha dos Lagos de 19/8)



Enganou-se quem acreditou que o Brasil foi passado a limpo com as recentes operações e investigações. Ao contrário dos pessimistas, penso que uma coisa positiva prosperou: Colocou em letras mais nítidas ao mais simples dos cidadãos como funcionam e se articulam os três poderes para o exercício da corrupção institucionalizada.

É cristalina a convicção de que as engrenagens que movem a estrutura da corrupção institucionalizada envolvem mandatários do Executivo, parlamentares, juízes e magistrados de todas as togas. É a chamada Alta Roda. Daí para baixo, os nichos de poder se dissipam de modo a agregar uma fração de mando por meio de indicações, controle de verbas ou mesmo pelo controle de partidos e eleitos mais localizados, como nas municipalidades. No estômago dessa víbora, lentamente, são digeridos os ilícitos municipais, estaduais e federais, indistintamente, como parte do mesmo processo gástrico que a tudo une como alimento indiviso.

As manobras feitas a todo custo e com elevadíssimo preço para a sociedade para salvar o pescoço da Alta Roda, foram os ingredientes que faltavam para disseminar na população dois sentimentos perigosos, a descrença e a radicalização da ignorância.

O primeiro é a zona de lamento que nos leva ao estado de negação. Generalizamos o tudo na conta do nada presta e, com isso, ou deixamos de participar ativamente da vida pública ou arrumamos um modo de fazer parte do jogo, mesmo à boca miúda. A segunda, a radicalização da ignorância, é também velha conhecida da história. Está por detrás de todos os movimentos fascistas e arbitrários. A ignorância também generaliza o problema, mas constrói inimigos úteis a quem os instrumentos do ódio, da violência e da supressão de direitos fundamentais passam a ser o remédio tão amargo quanto fictício de todos os seus malefícios.  

Nessa perspectiva, os culpados pelos pecados que afligem a república corrupta são os pobres, os favelados, os negros, os homossexuais, os indígenas, os alunos das escolas públicas, as camadas mais massacradas das classes trabalhadoras.

Quando se institui a descrença, abrem-se as portas para a ignorância radical. E suas raízes estão cada vez mais longas e capilarizadas, crescendo no mesmo ritmo das redes sociais e demais mídias de grande alcance. E ela funciona pois é fácil demais de compreender. O ódio é o sentimento mais simples que existe. Não precisa fazer sentido. Aponta-se para o objeto que no momento se deseja atingir e vai vivendo de alvos a cada nova produção de destroços sociais.


E no cenário que temos, com as decadentes e viciosas instituições nas mãos dos manobristas das safadezas, é de se esperar pelo pior. Já existem líderes, seguidores e motivos. E a fagulha não vai tardar em ser acesa.
 
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