segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018 0 comentários

Capitão-do-Mato (Publicada no jornal Folha dos Lagos de 3/2/18)



Vamos iniciar em nossa coluna um ciclo de discussões acerca de um tema de urgente e extrema importância: Educação. Conversando com meus colegas docentes sobre os problemas que afetam a área em diferentes níveis de intensidade, pude revisitar algumas observações mais antigas e que continuam, assim como os problemas, um tanto atuais. Um deles, que abre nossa conversa pode ser denominada de “síndrome do capitão-do-mato”.

Na historiografia brasileira, o capitão-do-mato é uma bem conhecida figura. Ele vem de baixo. Geralmente recrutado dentre os mais pobres que sonham ter alguma ascensão social e ser reconhecido como alguém de alguma importância, mesmo que para isso tenha que exercer funções e fazer exatamente aquilo que destrói a dignidade de quem, assim como ele, também “veio de baixo”, ou que pela condição de não possuir a liberdade, está ainda mais abaixo na escala valorativa da sociedade.

O capitão-do-mato é o mestiço pobre que tenta dar certo através de um único talento e um único mérito. O talento é o de saber escolher um bom senhor para que dele possa dispor para todo e qualquer desejo ou projeto, mesmo os mais sórdidos. Para isso, usa de seu único mérito, o de ser tão fiel enquanto durar o uso. Com isso, o capitão-do-mato amealha o medo dos mais subalternos, a quem tem que capturar, subjugar e maltratar a mando dos poderosos e o prestígio de um bufão entre esses mesmo senhores.

O que deixa o capitão-do-mato mais nervoso não é o quilombo, símbolo de resistência. Ele lhe dá uma boa oportunidade até. O de provar o quanto sua ausência de caráter pode desdobrar-se a ponto de fazer sorrir de satisfação os seus senhores. A resistência, para o capitão é uma prova para sua capacidade de espalhar o pior para que colha o melhor dentre os que podem continuar a lhe dar o que deseja. Quando questionado sobre o mal que faz a sua gente, o capitão faz a cena de ser humano, pode chorar, pode franzir a testa e esboçar uma ponta de cansaço em ser tão incompreendido em suas boas intenções quando sublima a vida alheia em troca da sua fama efêmera.


Infelizmente a gestão educacional brasileira faz jus a sua história. Sobretudo no setor público, na área da gestão, é raríssimo encontrarmos nos colegas professores a figura exponencial de um agente de transformação. Encontramos o velho capitão, cavaleiro de triste figura. Desse modo, só nos resta a luta. Organizada, firme, insistente, sem buscar nada além da vitória dos verdadeiros competentes. Assim os senhores do poder, ao menos enquanto o tiverem nas mãos, podem enxergar com mais clareza o que significa o fenômeno educação para o seu povo.
 
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