O Beijo de Judas - Caravaggio 1602
Desde muito cedo aprendemos a desconsiderar a dor. Mais do que isso, aprendemos a combatê-la com todas as forças. As maravilhas da medicina nos afastam dela, com a promessa analgésica para os males do corpo e da mente. As maravilhas da tecnologia as relativizam, suavizam e o restante cabe às relações humanas mesmo, que é o que sobra: a banalização da dor.
Além de tornar a dor um sinônimo de fragilidade, tiramos dela a dimensão do drama. A dor é um espasmo acidental do nossa cotidiana fixação no prazer. Pensar nela já nos coloca na lista dos problemáticos, vivê-la, nunca mais nos tira dela. Como desaprendemos a compreender a dor perdemos também a lembrança do sabor que uma paixão possui.
É a dor como um bem.
Sim, pois uma paixão que não dói é um produto plástico, artificial, com corantes e conservantes. Para mim toda a paixão deve necessariamente doer. E isso passa longe de uma mutilação masoquista. Ao contrário, ela dói porque é o sentimento mais intenso que um ser humano pode experimentar. Entretanto, a condição dessa experimentação é o amor. Ninguém é capaz de viver a paixão, seja pelo que for, se não amar.
Esse é o bem amar.
Hoje para os cristãos de todas as nuances é um dia de paixão. A mais intensa de todos os tempos. Pelo seu tamanho é possível compreender um pouco do amor que a moveu. A paixão do Cristo é o extravasar irrefreável de uma avalanche de sentimentos: perdão, afeição, incompreensão, medo, resignação, resiliência, amor, amor e amor... Porém, ela, para ser paixão, doeu. Doeu fisicamente, moralmente, na alma. Doeu porque essa é a essência do nosso drama. A traição dói, a indiferença também, assim como a violência, a hipocrisia e a humilhação. Mas a nervura que a transmite é a certeza de que vale a pena vivê-la por uma razão maior.
Essa razão é o bem.
Nesse final de semana vamos ouvir de tudo. Dos votos dos desonestos a propaganda neurótica pelo chocolate antecipado. Só não esqueçamos de ouvir a dor. Essa dor que levou à cruz a incondicionalidade do amor. Ela é feita de gente e do que há de divino em cada ser humano, a sensibilidade com o sofrimento do outro, mas também com suas alegrias; solidariedade com suas perdas, mas também com suas conquistas; fraternidade com suas necessidades, mas generosidade com sua pequenez.
Essa dor faz bem.
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