Não acreditar é uma das mais
difíceis e dolorosas experiências. Creio que a infância do gênero humano é
essencialmente crédula. Acreditamos por necessidade de estabelecer sentidos,
compreender esse fenômeno complexo chamado “vida”. Por esses caminhos, fomos
apresentados ao longo das eras às entidades astrais, às forças naturais, aos
deuses humanos e sobre-humanos, a deuses vários ou a um único e soberano
criador.
Mas não é só de re-ligações que
vivemos a experiência de crer. Desenvolvemos a crença nas pessoas e naquilo que
um conjunto de pessoas constrói. Assim nasceram nossos exemplos, nossos
referentes, e as diferentes perspectivas de compreensão de como as coisas são
ou deveriam ser.
Ao longo do tempo, oscilamos o
destino dessas crenças. Já fomos fervorosamente crédulos pela leitura do
maravilhoso como construtor da realidade. Já revertemos essa polaridade,
colocando as coisas como condição de saciedade e complementamos, por antítese,
essa mesma materialidade na forma de estopim revolucionário de uma modalidade
comunal. No meio de tudo isso povoou a imaginação, as mentes e corações, os
mais célebres e influentes seres humanos. Ou seja, já vivemos tempos de
inspiração, seja pela fé, pela ciência e técnica, ou mesmo pela verve e lavra
do pensamento de homens e mulheres de luta.
Hoje somos descrentes. Talvez
porque se cumpra nos tempos atuais alguma espécie de maldição ancestral (ou
pecado original segundo leituras outras...). Ou porque cotidianamente somos
forçados a não acreditar em mais nada e nem em ninguém. Razões para justificar
esse comportamento são fartas. No campo das religiões, o charlatanismo, as
alegorias, adereços e devaneios das corporações da fé, ávidas em produzir uma
indústria pródiga em vender a diferentes preços tudo o que o capitalismo nega
em seu corte de classe: saúde, riqueza e fama.
Tampouco acreditamos nas pessoas.
Nos políticos então nem se fala. Motivos também são fartos e é quase fato
consumado que são raríssimas, escassas, quase míticas as possibilidades de
renovarmos o atual estado de coisas, pois as caras novas são, não raro, apenas
a pele que cobre o corpo nefasto da continuidade de práticas e pensamentos que,
em seu todo, são a razão do nosso descrer.
Mas ainda há uma luz no fim do
túnel. E ao escrever isso admito a crença ao invés do descrer. Isso porque
ainda existe ou resiste a arte, a literatura, a pesquisa, as crenças que aliam
a mística do incompreensível à compreensão da experiência dramática da
humanidade. Mas é forçoso reconhecer que essa luz é um fósforo em meio ao vazio
das trevas. Mas já ilumina algo. E é isso e isso apenas o que temos para
começar a transformação. O resto é combustível.
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