segunda-feira, 19 de março de 2018 0 comentários

O Coletivo da Estupidez




Há alguns pares de décadas atrás, no tempo em que as redes sociais virtuais eram sonho de ficção científica, Nelson Rodrigues chegara a constrangedora conclusão de que os idiotas são a maioria. Entretanto, naquele tempo, como bem nos adverte o historiador Leandro Karnal, eles tinham uma severa dificuldade de aparecer, de manifestar o conteúdo dos seus ódios, preconceitos, reducionismos e tudo mais. A internet e o advento das redes deram a esse segmento majoritário um canal livre e desimpedido para que, assustadoramente, nos cheguem clara e desafiadoramente às vistas. Para piorar essa situação, a grande cáfila dos idiotas já conta com programa político e seus respectivos representantes, já eleitos ou por eleger. A imbecilidade majoritária é um sintoma difícil de colocar em um só campo do saber. Podemos atribuir ao egoísmo de um narciso infantil mal resolvido, onde se deseja de modo arbitrário e violento fazer prevalecer uma visão de mundo distorcida e, com ela, todo o conteúdo simplório, distorcido e com uma carga de autoritarismo vista somente nas grandes tragédias da humanidade.

Lembro-me da filósofa Hannah Arendt quando acompanhou o julgamento do figurão nazista Adolf Eichmann, a convite de uma revista e que resultou em sua polêmica obra “Eichmann em Jerusalém”.  Em sua análise, o genocida não era tão ideologicamente vinculado assim ao antissemitismo entre outras premissas simbólicas do Partido Nazista. Era um burocrata eficiente e de capacidade abominável de cumprir as piores e mais perversas ordens como uma tarefa a ser cumprida. Foi enforcado. E por que ele assim procedia? A explicação não é tão simples mas pode ser entendida pelo que a filósofa chama de “banalização do mal”. 

Quando o mal é banalizado ele vira a solução. Ou melhor, ele pode ser visto como solução para outros males, desde que naturalizado na dimensão maquiavélica de que os “fins justificam os meios”. E ele é extremamente eficiente posto que nos cega para qualquer outra dimensão. Por isso, chamamos direitos humanos – uma conquista evolutiva da moralidade humana – em instrumentos de defesa de bandidos. É nesse caminho que trilhamos quando defendemos o que nos protege do estado de natureza hobbesiano, o todos contra todos, ao tirarmos do Estado-Leviatã o monopólio da força e da capacidade de regular a vida em comum e passar essa prerrogativa para que as pessoas portem livremente armamentos e possam atirar em quem bem entender. Afinal, todos sabemos que os “bandidos” não serão os únicos mortos.

Em um país como o nosso, violento da cabeça aos pés, ou seja, tem uma elite narcísica e violenta, uma classe média conservadora e violenta, e uma camada pobre imersa no cotidiano da violência como meio quase natural de sua vida, o que esperarmos quando uma vereadora, ativista dos direitos humanos é executada? Desvencilhamos o fato de quem era ela? Foi uma vítima asséptica do acaso da violência urbana? Estupidez sem tamanho. A bala que matou a Marielle foi direcionada a tudo que ela era sim. Pois o que produz “Marielles” são negras pobres, de periferia. As que convivem com o arbítrio e os abusos diários tanto de quem deveria protegê-las quanto dos que são produzidos pela profunda desigualdade para ser o que nós chamados de tralhas, bandidos e coisas assim. Em pleno século XXI ainda acreditamos que ser marginal é apenas uma opção, coisa de índole, como se o ser humano de Rousseau renascesse naturalmente bom mas sem a parte de que a sociedade o corrompe. Ele se corrompe sozinho e por que quer. E quem tem pena que leve para casa. Não é assim o discurso comum?

Sinto muito pela vereadora. A bala foi para tudo o que ela representa sim. No país do mal banalizado, podemos simplesmente tratar a questão como fatalidade. Podemos tentar fazer com que a moral da Marielle seja manchada com alguma mentira construída (e a história tem tantas a disposição...) para que o coletivo majoritário dos idiotas possam vangloriar-se com o famoso “ninguém morre de graça” ou “morreu pelas mãos dos bandidos que defendeu”.Ao que parece não teremos mais eleições. Teremos um confronto civilizacional. Só um dos dois lados passará. E se o lado do mal banalizado prevalecer, quem sabe Eichmann não seja mais enforcado.

domingo, 11 de março de 2018 0 comentários

Qual Jovem? (Publicado no jornal Folha dos Lagos de 10/3)




Com a aproximação das eleições voltamos a escutar uma dúzia e meia de discursos sobre a juventude, seu papel, sua importância, a necessidade de fazer parte da política. Entretanto o termo é tão genérico quanto tudo que dizem ser o tal receituário participativo. De fato o jovem não está tão longe da política assim. É necessário apenas compreender de que jovens estamos falando.

Por exemplo, para os velhos esquemas políticos os seus jovens são uma necessidade de apresentar uma novidade, uma nova cara, mas com tudo que pode representar permanência no poder. Para piorar a situação, os mimados novinhos conseguem ser ainda piores e mais danosos a sociedade do que seus predecessores. Explica-se. Os que conseguiram no passado formar grupos políticos razoavelmente bem sucedidos, utilizando para isso todas as artimanhas e práticas comuns ao nosso fazer político, o fizeram com algum grau de compromisso com seu espaço vital.

Porém, as crias naturais ou agregadas desses grupos, não foram acostumadas com a necessidade ou com a dificuldade em consolidar-se com algum legado concreto. São da geração que se deu ao luxo dos cargos fantasmas, das vantagens e benesses, da absoluta falta de necessidade de uma carteira assinada ou de um expediente com metas de produtividade. Ao emergir para a vida pública, o único compromisso dessa juventude é a manutenção do poder e, obviamente, enriquecer. E só. Não é possível estabelecer nenhum compromisso com esse tipo de jovem político. Não possuem visão além do cifrão. Na verdade, essa juventude não precisa nem ao menos fazer política, no sentido clássico, relacional do termo. Seus grupos já vem pagos e a “máquina” já vem ligada para que eles apenas pilotem sem maiores preocupações. Tudo cai facilmente no colo para que apenas possam fazer os acordos que mais atenderem aos seus caprichos pessoais.

O outro tipo de jovem é o das classes populares. Aqui, há os que vêm com etiqueta de preço e engrossam os exércitos de cabos eleitorais remunerados daqueles outros jovens que continuarão muito ricos a custa da pobreza dos que levam seus santinhos para as ruas e para as urnas. E há os que despertam para alguma criticidade, militância, posicionamento. Não se vendem. Não se corrompem. Querem discutir, mesmo que ainda de maneira um tanto enviesada, projetos e idéias. Mas esses são os jovens chamados de ruins, de manipulados, de maconheiros, de esquerdopatas ou coisas do gênero.

Claro que os jovens políticos dos velhos esquemas não podem parecer o que realmente são. Instáveis, inexperientes, rasos e extremamente vingativos. Para isso usam seus prepostos, fazendo toda a maldade possível, mas vendendo uma falsa discordância entre os dois lados de uma mesma moeda.  É como agiota que diz discordar da tortura mas que não pode fazer nada, pois o torturador é “de outro departamento”.

Sendo assim, prestemos atenção quando o assunto é juventude e, especialmente, movimentos de juventude. Nem sempre temos grandes novidades para além da politicagem.

 
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