Não é incomum as pessoas
qualificarem de coronelismo uma experiência política de domínio indesejado. Se
por um lado é difícil crer num aspecto positivo, não obstante se faz necessário
um ponto de inflexão: Nem todo coronelismo é igual. Sem maiores filtros vamos
pensar apenas nos dois mais conhecidos, o urbano e o rural.
Podemos afirmar sem medo de errar
que o coronelismo urbano é um produto deformado do rural. Em ambos temos a
constituição de famílias políticas que vão emplacando de modo cada vez mais
capilar os membros diretos, colaterais e associados da parentela. Da mesma
maneira, nas duas modalidades temos o controle praticamente absoluto da coisa
pública como uma extensão dos interesses privados.
Insistindo ainda um pouco mais
nas semelhanças, temos a transformação da justiça, assim como todos os demais
poderes e instâncias da estrutura republicana, como extensões de domínio, ou
seja, basta que se tenha dinheiro, poder de fogo (aqui tomado de maneira
literal), ou bons vínculos de reciprocidade para que se coloque a interpretação
da legalidade dos atos sob o crivo da vontade pessoal. O resultado mais visível
é o escárnio cínico dos mandatários quando confrontados com seus próprios
malfeitos, cientes de que estão acima de tudo e de todos, portanto, com plena
capacidade de justificar o que bem entenderem.
Sem prolongar esse olhar das duas
faces no espelho, encontramos outra semelhança fundamental, a formação de
currais. É muito importante que existam currais nessa modalidade de se fazer política.
Entretanto, há uma baia para cada tipo de animal. Existe o espaço para os
rebanhos do gado xucro, aquele que é importante no volume, mas facilmente
controlado pelos demais animais de estrebaria: cavalos, cachorros e outros a
quem se pode delegar algum poder.
Entretanto as semelhanças param
por aí. E justificando o porque o coronelismo urbano é um furto pervertido do
rural é forçoso reconhecer, sem nenhum mérito adicional – registre-se – que no
coronelismo rural ainda prevalecem dois elementos completamente ausentes no
urbano, o cuidado com as pessoas e, consequentemente, o zelo com a oferta do
que elas precisam. É do brio do coronel rural cuidar, proteger... Uma
contrapartida que mais se assemelha ao proletariado romano, aos magistrados e
seus clientes, uma relação de contrapartida onde um apadrinha o outro e a troca
de benefícios se dá na escala definida pela posição de um e pela necessidade do
outro.
Já o coronel urbano possui um
carisma cínico. Abraça e beija seu povo na mesma intensidade do que o priva do
básico. Após a conquista do poder, ele não tem o senso da contrapartida, do
compromisso, pelo contrário! Torna-se unilateralmente violento, arbitrário,
comportando-se não como um dispersor de benefícios, mas como um saqueador
insaciável. Se o prestígio dá aos coronéis rurais a continuidade e capilaridade
de seu poder, aos urbanos só resta o uso da paga mercenária, da ameaça de mais
terror e caos e da quase inevitabilidade de sua presença pela capacidade de
produzir dor e escassez.
Os dois não são desejáveis. Mas apenas um ainda se
faz muito mais vivo e presente.
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