Definitivamente o Brasil não é
para amadores. Compreender de maneira analítica a realidade foge a toda e
qualquer possibilidade racional. Houve um tempo que até aqui mesmo era mais
simples saber como as coisas eram concebidas e praticadas, sobretudo na
política. Na Colônia a Metrópole e seus prepostos mandavam no grosso mas no
local eram os “homens bons” que controlavam os poderes que se prendem ao
cotidiano. No Império, nossos tons pastéis que diferenciavam de modo mais
livresco que pragmático os liberais dos conservadores tinham no pé despótico do
Poder Moderador a garantia de que tudo estaria absolutamente sob controle (em
tese ao menos). Nasceu a República, ainda encantada com as espadas e os ventos
de uma teoria estrangeira, filha cheia de sangue imperial em suas colunas, cuja
depuração foi aos poucos produzindo algo peculiar, o mandonismo, o café com
leite e a reafirmação do nosso lugar no mundo como fornecedores do que a terra
generosamente dava, isso até o período em que Vargas criou ou recriou o
trabalhador urbano e um Brasil de política oscilante, dançarina entre os salões
liberais e corporativos.
Um ponto comum a todos os tempos
era e é o nosso jeito de cimentar nosso edifício político. A historiografia
desde o século passado já identificara nossa tendência a familiaridade, uma
cordialidade que estende o chapéu do público como extensão do privado. Sendo
assim, o que hoje consideramos legalmente como corrupção, na estrita
observância do fundamento, é relativizado pelo crivo da particularidade. Ou
seja, mesmo que a lei favoreça o mais óbvio entendimento, conseguimos dobrá-la,
ignorá-la, torcê-la sob o ponto de vista da relatividade do argumento.
Trocando em miúdos, é sintomática
a libertação das mulheres de Eduardo Cunha, absolvida, e de Sergio Cabral, em
prisão domiciliar. É absolutamente estapafúrdio manter um presidente no cargo
após robustas evidências, que vão para além do modus operandi amplamente sabido
e praticado por todos que jogam nessas mesmas regras e se medem pelas mesmas
réguas; e caçar uma anterior por supostas “pedaladas” ou pelo simples argumento
da falta de governabilidade. O espetáculo dado pelos deputados, com direito a
introduções que iam da saudação a torturadores a saudação de Deus e a família,
deveria ser redobrada diante da corrupção e da imoralidade no trato da coisa
pública hoje.
Deveria ser triplicado com sonoro não para cada reforma que
estilhaça a dignidade dos mais fracos.
Mas não há tempo para nada disso.
O país parece um brinquedo capenga, desorientado, girando a esmo tentando achar
um eixo. Daí o paradoxo. Dos nomes que até o exato momento se apresentaram para
suceder a tempestade nenhum foge dos três cenários possíveis: um circo de
horrores brutal, uma escancarada plutocracia ou o arranjo corrupto. Para piorar não se pode suceder o próprio
povo. Ele é o que é. Ainda que o vitimismo tente justificar a corrupção dos
pequenos como defesa contra os grandes, a verdade desnuda é que essa é nossa
matriz. O resto é palanque para esquerdistas e direitistas. Se o Brasil for
coerente com sua história e o povo com suas escolhas, postos os indícios
recentes de nossas instituições executivas, legislativas e judiciárias, tudo
leva a cotar na bolsa de apostas que a solução para todos os nossos problemas está
exatamente no uso daquilo que é causa de todos eles.