segunda-feira, 29 de maio de 2017

Desentendam o Brasil (Publicado no Jornal Folha dos Lagos - Edição de 27/05)


Definitivamente o Brasil não é para amadores. Compreender de maneira analítica a realidade foge a toda e qualquer possibilidade racional. Houve um tempo que até aqui mesmo era mais simples saber como as coisas eram concebidas e praticadas, sobretudo na política. Na Colônia a Metrópole e seus prepostos mandavam no grosso mas no local eram os “homens bons” que controlavam os poderes que se prendem ao cotidiano. No Império, nossos tons pastéis que diferenciavam de modo mais livresco que pragmático os liberais dos conservadores tinham no pé despótico do Poder Moderador a garantia de que tudo estaria absolutamente sob controle (em tese ao menos). Nasceu a República, ainda encantada com as espadas e os ventos de uma teoria estrangeira, filha cheia de sangue imperial em suas colunas, cuja depuração foi aos poucos produzindo algo peculiar, o mandonismo, o café com leite e a reafirmação do nosso lugar no mundo como fornecedores do que a terra generosamente dava, isso até o período em que Vargas criou ou recriou o trabalhador urbano e um Brasil de política oscilante, dançarina entre os salões liberais e corporativos.

Um ponto comum a todos os tempos era e é o nosso jeito de cimentar nosso edifício político. A historiografia desde o século passado já identificara nossa tendência a familiaridade, uma cordialidade que estende o chapéu do público como extensão do privado. Sendo assim, o que hoje consideramos legalmente como corrupção, na estrita observância do fundamento, é relativizado pelo crivo da particularidade. Ou seja, mesmo que a lei favoreça o mais óbvio entendimento, conseguimos dobrá-la, ignorá-la, torcê-la sob o ponto de vista da relatividade do argumento.

Trocando em miúdos, é sintomática a libertação das mulheres de Eduardo Cunha, absolvida, e de Sergio Cabral, em prisão domiciliar. É absolutamente estapafúrdio manter um presidente no cargo após robustas evidências, que vão para além do modus operandi amplamente sabido e praticado por todos que jogam nessas mesmas regras e se medem pelas mesmas réguas; e caçar uma anterior por supostas “pedaladas” ou pelo simples argumento da falta de governabilidade. O espetáculo dado pelos deputados, com direito a introduções que iam da saudação a torturadores a saudação de Deus e a família, deveria ser redobrada diante da corrupção e da imoralidade no trato da coisa pública hoje. 

Deveria ser triplicado com sonoro não para cada reforma que estilhaça a dignidade dos mais fracos. 

Mas não há tempo para nada disso. O país parece um brinquedo capenga, desorientado, girando a esmo tentando achar um eixo. Daí o paradoxo. Dos nomes que até o exato momento se apresentaram para suceder a tempestade nenhum foge dos três cenários possíveis: um circo de horrores brutal, uma escancarada plutocracia ou o arranjo corrupto.  Para piorar não se pode suceder o próprio povo. Ele é o que é. Ainda que o vitimismo tente justificar a corrupção dos pequenos como defesa contra os grandes, a verdade desnuda é que essa é nossa matriz. O resto é palanque para esquerdistas e direitistas. Se o Brasil for coerente com sua história e o povo com suas escolhas, postos os indícios recentes de nossas instituições executivas, legislativas e judiciárias, tudo leva a cotar na bolsa de apostas que a solução para todos os nossos problemas está exatamente no uso daquilo que é causa de todos eles. 

1 comentários:

Unknown disse...

Por mais que eu concorde com os argumentos e a forma cíclica com que as coisas se "resolvem" no Brasil, tenho extrema resistência em aceitar o mal como solução de outro mal.

Em alguns momentos é preciso desconstruir até os alicerces afim de se colocar novos fundamentos, só acho que o brasileiro ainda não está preparado para um remédio deveras causticante.

Postar um comentário

 
;