Prometeu e Epimeteu haviam
recebido uma tarefa de grande importância dada pelos deuses: a criação de todos
animais. Todos receberam seus dons e
características que dispensam maiores considerações. A uns sagacidade; a outros
garras, força e assim por diante. Tudo ia bem até a hora de se constituir o
homem. Esgotados os melhores recursos, a matéria com a qual compuseram o tímido
animal era o frágil barro e pouco restou à derradeira obra que impusesse o
domínio sobre o restante da criação. A solução de Prometeu era singular. Roubar
o fogo dos deuses e, com ele, dar ao homem a maior de todas as fortunas.
Entretanto, um roubo desta envergadura não passaria despercebido no Olimpo. O
julgamento de Prometeu foi rápido e o castigo, duradouro. Preso no Cáucaso
teria um corvo diariamente devorando seu fígado, que igualmente se regeneraria,
numa cena que deveria perdurar por trinta mil anos.
A criação de um modelo
contemporâneo de político brasileiro tem suas analogias com o mito. Feitos de
matéria cada vez mais frágil, do barro ao papel, os mandatários poderiam buscar
sua força e o poder de fazer naquilo que é condição essencial do processo
democrático, a representatividade. Entretanto, é assustadoramente numerosa a
quantidade de envolvidos no assalto ao Olimpo. Preferiram roubar o fogo sagrado
e com ele tentar criar uma espécie suprema de inatingíveis, invulneráveis e
indestrutíveis: semi-deuses acima de tudo e todos.
Se a justiça será tão eficiente
quando o julgamento de Zeus não é certo, assim como o castigo. Nada do que foi
revelado até o momento pode ser considerado surpresa no Brasil, a não ser que a
pessoa nunca tenha lido um livro de história ou vivenciando uma eleição. E
justamente por não ser surpresa, o que nos sobra é apenas a sensação de
decepção pelo fato de Prometeu não ter sido cuidadoso o suficiente para não
deixar o rastro das chamas roubadas incendiarem toda a terra. Nosso ódio é pela
corrupção que não deu certo, que não manteve a estrutura que beneficia do
pequeno ao grande ereta.
Talvez seja por isso que a
esquerda peça o retorno de quem sempre soube lidar com os deuses de modo que
eles não se sentissem propriamente roubados, mas participantes de um grande
investimento que traria benefícios a todos. Talvez seja também por isso que o
atual presidente venha decepcionando tanto, pois resolveu roubar o fogo
doméstico para levá-lo aos céus. Roubou do homem em favor dos deuses e eles,
caprichosos, não perdoaram ironicamente sua pretensão de subir ao monte
sagrado.
Se Hesíodo estivesse vivo, teria
uma excelente oportunidade de contar uma história intrigante: a das delações
que entregam o caráter de um povo que, para eleger um corrupto, se olha no
espelho como um Narciso apaixonado pelo que vê.
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