segunda-feira, 7 de maio de 2018
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Lições Políticas (Publicado no jornal Folha dos Lagos, edição de 05 e 06 de maio).
Por volta de 1830 a Inglaterra já fervilhava com os
desdobramentos da Revolução Industrial.
Se por um lado o país se desenvolvia economicamente de modo acelerado,
por outro ainda sofria com os desequilíbrios tanto inerentes ao novo sistema
político/econômico. O problema da representatividade era um deles. Os distritos
industriais mais desenvolvidos tinham uma representatividade parlamentar
inferior a de localidades com ínfima
população e baixa relevância econômica. O proletariado, nesse tempo, não podia
votar nem ser votado mas, como lhe interessava os possíveis benefícios de uma
representatividade indireta, alia-se à burguesia em prol da Reforma Política.
Com a vitória da proposta, foi abandonada pela mesma burguesia que apoiou. Aprendeu
a lição. Os pactos entre o capital e o trabalho são frágeis como cristais. A
conseqüência disso foi a criação do Movimento da Carta que, junto com os
sindicatos, percorreu o país pedindo direitos trabalhistas como a redução da
jornada de trabalho para 10 horas diárias e, entre outras demandas, o direito
de votar e ser votado. Para isso, era necessário que os representantes eleitos
pelo povo pudessem ter como se sustentar. Naquele momento a função parlamentar
não era remunerada, possibilitando apenas que os mais abastados, de fato,
controlem o poder.
Hoje ainda temos certas ilusões em nossa democracia. Trago à
luz pelo menos três. A primeira é a de que ser remunerado para o trabalho
político é algo errado. Não é. De fato, como na luta inglesa dos séculos
passados, é o que possibilita que as pessoas possam dedicar seu tempo tendo em
contrapartida como se manter já que suas atividades pessoais ou são impedidas
ou restringidas por questões legais ou de mesmo de tempo. Acreditar que a
política deveria ser gratuita é assumir implicitamente que só os mais ricos,
que são donos de seu tempo, podem ocupar funções públicas. O problema são os
excessos, as distorções e a mazela da corrupção. A segunda é a crença de que a
gestão pública deve ser entregue ao setor privado através de seus partidos e
representantes. A afirmação de que a gestão pública deveria ser como a de uma
empresa é algo que só pode ser dito por quem desconhece por completo a teoria e
a natureza prática da administração. É como voltar ao modelo parlamentar
burguês da aurora do capitalismo, ou seja, quem controla o capital passa a
gerir o Estado conforme os seus interesses imediatos. A relação dos empresários
com o Estado, no nosso país é um tanto estranha. O Estado é visto como madrasta,
como inimigo do crescimento. Entretanto, as renúncias e incentivos dados pela
“viúva” são maiores do que todo o orçamento deste ano das pastas da saúde e
educação. Nada mal.
O terceiro é a de todos os políticos são corruptos e a
política é algo detestável de modo geral. Essa crença é a mais perversa. Ela
afasta as pessoas qualificadas e mais capazes para contribuir para a gestão e
desenvolvimento da coisa pública. Investir com salários e carreiras atraentes
no setor, diminuindo o tamanho e o alcance da montagem paralela das estruturas
de governo pode ser uma saída interessante. Mas precisamos ainda dar nosso voto
de confiança. Não a anjos posto que não existem encarnados. Temos bons
políticos que estão na luta para que as boas práticas prevaleçam mas é preciso
atenção redobrada pois nessas horas surgem o moralismo fascista, vazio e
violento e a tecnocracia esnobe, fria, sociopática. E eles tem adeptos até
mesmo nas camadas que são seus alvos prioritários.
E, por fim, não deixarmos de votar. Nunca. É uma conquista
histórica, lenta e que tem as cores do sangue dos mais pobres.
domingo, 22 de abril de 2018
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Educação Finlandesa (Publicado no Jornal Folha dos Lagos - Edição de 21/22 de abril)
Quando o assunto é educação
geralmente temos orgulho e surpresa em olhar para experiências bem sucedidas no
exterior. Depois de tempos de louvor ao modelo sul-coreano, a vedete do momento
torna-se a Finlândia. Não é para menos. O país nórdico encontra-se sempre nas
primeiras posições do Pisa, avaliação internacional que mede o nível
educacional de jovens de 15 anos nos países-membros da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Quando entrevistados,
professores, alunos e gestores são unânimes quanto a uma palavra: Valorização. Infelizmente
no Brasil a palavra valorização é desconhecida em seu sentido original.
Confundimos valorizar com gostar, respeitar, falar bem. Para os finlandeses
esse não é um sentido atribuído mas uma conseqüência do que, de fato, é
valorização.
Valorizar é agregar valores.
Parece óbvio mas é completamente diferente do que praticamos aqui. Podemos
elencar o receituário deles, falando sobre o fato de praticamente toda a
educação nacional ser pública e possuir padrões salariais altos para docentes,
estimulando a carreira. Podemos prosseguir mostrando que suas escolas são bem
equipadas, com horários compatíveis com a rotina cultural e biológica dos
jovens e com currículos atualizados e ensinados de modo inovador. Podemos ainda
insistir mostrando que seus gestores são pessoas que entendem, de fato, de
educação. E concluir com uma cultura nacional que valoriza a educação e a
escolaridade sob a forma de oferta de empregos bem pagos para quem se dedica a
vida escolar e acadêmica.
No Brasil achamos que copiar modelos é a chave do
sucesso. O problema é exatamente esse, o de reduzir uma experiência social
complexa, como a da Finlândia, para que se transforme em um “manual pedagógico”
a ser costurado como o monstro de Frankenstein em nossas partes decompostas. Lá
a educação não se tornou peça retórica para politicagem vazia, não se concebe
por doutrinação social em favor de ideologias particulares e nem como uma mera
pré-condição obrigatória perante a legislação. Lá há uma compreensão ampla,
holística da educação como princípio de toda a organização social, cultural e
econômica. A política, nesse sentido, cuida para que esses três pilares
permaneçam sólidos.
Enquanto por aqui convivermos com
a politicagem com a educação, transformando-a em mecanismo compensatório do
empreguismo simplório, da outorga a gestão das pastas educacionais a notórios
despreparados e do tratamento estrutural baseado na precariedade, no jeitinho,
no adaptado, não seremos Finlândia. Enquanto nos preocuparmos mais em gerar
pilhas e mais pilhas de documentos, diretrizes, resoluções, parâmetros,
portarias, marcos e todo um aparato monumental de instâncias e vigias, tudo
para conferir se a precariedade vai em boa ordem, não seremos Finlândia. Enquanto
nossos políticos e gestores de pasta
tratarem a questão salarial do docente como uma piada de mau gosto, enquanto
lançarem mão da prepotência, arrogância, ou mesmo da falsidade, fingindo
compreender e estar ao lado de quem, na verdade, combatem com todas as forças
para que seus privilégios pessoais permaneçam intocados, não seremos Finlândia.
Enquanto o mercado, a economia não valorizarem monetariamente o estudo,
estancando a exploração em nome do lucro, pagando cada vez menos aos mais
escolarizados, desencorajando carreiras, não sermos Finlândia.
Seremos nós. O Brasil orgulhoso
da sua educação pouca para muitos e seletiva, para poucos.
domingo, 15 de abril de 2018
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Mudar para Permanecer (Artigo publicado no Jornal Folha dos Lagos de 14/4)
A política em nossas terras tem a
peculiaridade de se modernizar de modo conservador. Dito em outras palavras, o
que é inovador em nossas práticas tem apenas a forma, a aparência e o nome. No
fundo, muda-se para conservar.
Um bom exemplo, para não dizer
lição, pode ser aprendido dos nossos livros de história. Vivemos uma república
que prometeu, na forma, ser a vanguarda transformadora de um império caduco,
atrasado, com o ranço aristocrático dos “casacas”. Entretanto, deixando aqui as
devidas ressalvas ao modelo de governança monárquico (o qual não tenho real
apreço), podemos observar um fato curioso: Um imperador se aproximando de uma
nova elite urbana e empreendedora, a abolição do trabalho escravo tendo em
vista uma progressiva transformação das relações de produção, entre outros
sonhos dourados que acalentavam um desejado Terceiro Reinado.
Mas aí veio a república, filha
unigênita de uma quartelada do exército, misturada em menor parcela com as
tintas quase inexpressivas dos ditos “pensadores” liberais. De liberal o
movimento teve pouca coisa, de fato. Até porque não foi essa gente que pariu a
criança nova da mudança, foram as camadas agrárias, escravistas, conservadoras,
que sustentaram e, assim que puderam, tomaram o governo aos goles de café com
leite, raivosas pelo abandono de Sua Majestade.
Ou seja, enquanto na Europa os
movimentos republicanos vinham acompanhados do engajamento e participação
popular e de uma efetiva transposição de poder e de concepção de Estado e de governo,
nas Américas coube aos elementos mais conservadores realizar, com alguns pares
apenas, a mudança de tudo que ameaçasse mudar o seu mundo.
Hoje sofremos desse mesmo mal. Há
pouca mudança no horizonte. Vejamos o caso da prisão do ex-presidente Lula. Não
há como esconder a seletividade de uma justiça que faz política. O jogo é para
prender uns, soltar outros e inocentar centenas ou milhares. É a mudança que
não muda, apenas rearranja o jogo. Mas daí a acreditar que Lula é um mártir
inocente vai uma distância colossal. Negar que ele não esteve no epicentro de
um sofisticado esquema de cooptação e corrupção generalizada envolvendo agentes
públicos e privados é de uma ingenuidade quase infantil.
Agarrar-se a tese de que ele não é
um homem falível e corruptível mas sim uma “ideia” que tirou milhões de
brasileiros da pobreza, é assumir que a esquerda brasileira não é lá muito
diferente da direita nas suas práticas, apenas mais eficiente nos seus efeitos.
Sintetizar as possibilidades da esquerda no “lulismo” é inaugurar uma síndrome
de Robin Hood (desconsiderando ainda que os ricos em seu governo não foram
“roubados e nem sequer incomodados...). Pior é reduzir a crítica ao novo deus
imolado de puro fascismo... É nessa hora que nos tornamos o que combatemos.
Há alguns pares de décadas atrás, no
tempo em que as redes sociais virtuais eram sonho de ficção científica, Nelson
Rodrigues chegara a constrangedora conclusão de que os idiotas são a maioria.
Entretanto, naquele tempo, como bem nos adverte o historiador Leandro Karnal,
eles tinham uma severa dificuldade de aparecer, de manifestar o conteúdo dos
seus ódios, preconceitos, reducionismos e tudo mais. A internet e o advento das
redes deram a esse segmento majoritário um canal livre e desimpedido para que,
assustadoramente, nos cheguem clara e desafiadoramente às vistas. Para piorar
essa situação, a grande cáfila dos idiotas já conta com programa político e
seus respectivos representantes, já eleitos ou por eleger. A imbecilidade
majoritária é um sintoma difícil de colocar em um só campo do saber. Podemos
atribuir ao egoísmo de um narciso infantil mal resolvido, onde se deseja de
modo arbitrário e violento fazer prevalecer uma visão de mundo distorcida e,
com ela, todo o conteúdo simplório, distorcido e com uma carga de autoritarismo
vista somente nas grandes tragédias da humanidade.
Lembro-me da filósofa Hannah
Arendt quando acompanhou o julgamento do figurão nazista Adolf Eichmann, a
convite de uma revista e que resultou em sua polêmica obra “Eichmann em
Jerusalém”. Em sua análise, o genocida
não era tão ideologicamente vinculado assim ao antissemitismo entre outras
premissas simbólicas do Partido Nazista. Era um burocrata eficiente e de
capacidade abominável de cumprir as piores e mais perversas ordens como uma
tarefa a ser cumprida. Foi enforcado. E por que ele assim procedia? A
explicação não é tão simples mas pode ser entendida pelo que a filósofa chama
de “banalização do mal”.
Quando o mal é banalizado ele vira a solução. Ou
melhor, ele pode ser visto como solução para outros males, desde que
naturalizado na dimensão maquiavélica de que os “fins justificam os meios”. E
ele é extremamente eficiente posto que nos cega para qualquer outra dimensão.
Por isso, chamamos direitos humanos – uma conquista evolutiva da moralidade
humana – em instrumentos de defesa de bandidos. É nesse caminho que trilhamos
quando defendemos o que nos protege do estado de natureza hobbesiano, o todos
contra todos, ao tirarmos do Estado-Leviatã o monopólio da força e da
capacidade de regular a vida em comum e passar essa prerrogativa para que as
pessoas portem livremente armamentos e possam atirar em quem bem entender. Afinal,
todos sabemos que os “bandidos” não serão os únicos mortos.
Em um país como o nosso, violento
da cabeça aos pés, ou seja, tem uma elite narcísica e violenta, uma classe
média conservadora e violenta, e uma camada pobre imersa no cotidiano da
violência como meio quase natural de sua vida, o que esperarmos quando uma
vereadora, ativista dos direitos humanos é executada? Desvencilhamos o fato de
quem era ela? Foi uma vítima asséptica do acaso da violência urbana? Estupidez
sem tamanho. A bala que matou a Marielle foi direcionada a tudo que ela era
sim. Pois o que produz “Marielles” são negras pobres, de periferia. As que
convivem com o arbítrio e os abusos diários tanto de quem deveria protegê-las
quanto dos que são produzidos pela profunda desigualdade para ser o que nós
chamados de tralhas, bandidos e coisas assim. Em pleno século XXI ainda
acreditamos que ser marginal é apenas uma opção, coisa de índole, como se o ser
humano de Rousseau renascesse naturalmente bom mas sem a parte de que a
sociedade o corrompe. Ele se corrompe sozinho e por que quer. E quem tem pena
que leve para casa. Não é assim o discurso comum?
Sinto muito pela vereadora. A
bala foi para tudo o que ela representa sim. No país do mal banalizado, podemos
simplesmente tratar a questão como fatalidade. Podemos tentar fazer com que a
moral da Marielle seja manchada com alguma mentira construída (e a história tem
tantas a disposição...) para que o coletivo majoritário dos idiotas possam
vangloriar-se com o famoso “ninguém morre de graça” ou “morreu pelas mãos dos
bandidos que defendeu”.Ao que parece não teremos mais eleições. Teremos um
confronto civilizacional. Só um dos dois lados passará. E se o lado do mal
banalizado prevalecer, quem sabe Eichmann não seja mais enforcado.
domingo, 11 de março de 2018
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Qual Jovem? (Publicado no jornal Folha dos Lagos de 10/3)
Com a aproximação das eleições
voltamos a escutar uma dúzia e meia de discursos sobre a juventude, seu papel,
sua importância, a necessidade de fazer parte da política. Entretanto o termo é
tão genérico quanto tudo que dizem ser o tal receituário participativo. De fato
o jovem não está tão longe da política assim. É necessário apenas compreender
de que jovens estamos falando.
Por exemplo, para os velhos
esquemas políticos os seus jovens são uma necessidade de apresentar uma
novidade, uma nova cara, mas com tudo que pode representar permanência no
poder. Para piorar a situação, os mimados novinhos conseguem ser ainda piores e
mais danosos a sociedade do que seus predecessores. Explica-se. Os que
conseguiram no passado formar grupos políticos razoavelmente bem sucedidos,
utilizando para isso todas as artimanhas e práticas comuns ao nosso fazer
político, o fizeram com algum grau de compromisso com seu espaço vital.
Porém, as crias naturais ou
agregadas desses grupos, não foram acostumadas com a necessidade ou com a
dificuldade em consolidar-se com algum legado concreto. São da geração que se
deu ao luxo dos cargos fantasmas, das vantagens e benesses, da absoluta falta
de necessidade de uma carteira assinada ou de um expediente com metas de
produtividade. Ao emergir para a vida pública, o único compromisso dessa
juventude é a manutenção do poder e, obviamente, enriquecer. E só. Não é
possível estabelecer nenhum compromisso com esse tipo de jovem político. Não
possuem visão além do cifrão. Na verdade, essa juventude não precisa nem ao
menos fazer política, no sentido clássico, relacional do termo. Seus grupos já
vem pagos e a “máquina” já vem ligada para que eles apenas pilotem sem maiores
preocupações. Tudo cai facilmente no colo para que apenas possam fazer os acordos
que mais atenderem aos seus caprichos pessoais.
O outro tipo de jovem é o das
classes populares. Aqui, há os que vêm com etiqueta de preço e engrossam os
exércitos de cabos eleitorais remunerados daqueles outros jovens que
continuarão muito ricos a custa da pobreza dos que levam seus santinhos para as
ruas e para as urnas. E há os que despertam para alguma criticidade,
militância, posicionamento. Não se vendem. Não se corrompem. Querem discutir,
mesmo que ainda de maneira um tanto enviesada, projetos e idéias. Mas esses são
os jovens chamados de ruins, de manipulados, de maconheiros, de esquerdopatas
ou coisas do gênero.
Claro que os jovens políticos dos
velhos esquemas não podem parecer o que realmente são. Instáveis,
inexperientes, rasos e extremamente vingativos. Para isso usam seus prepostos,
fazendo toda a maldade possível, mas vendendo uma falsa discordância entre os
dois lados de uma mesma moeda. É como
agiota que diz discordar da tortura mas que não pode fazer nada, pois o
torturador é “de outro departamento”.
Sendo assim, prestemos atenção
quando o assunto é juventude e, especialmente, movimentos de juventude. Nem
sempre temos grandes novidades para além da politicagem.
segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018
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Capitão-do-Mato (Publicada no jornal Folha dos Lagos de 3/2/18)
Vamos iniciar em nossa coluna um
ciclo de discussões acerca de um tema de urgente e extrema importância:
Educação. Conversando com meus colegas docentes sobre os problemas que afetam a
área em diferentes níveis de intensidade, pude revisitar algumas observações
mais antigas e que continuam, assim como os problemas, um tanto atuais. Um
deles, que abre nossa conversa pode ser denominada de “síndrome do
capitão-do-mato”.
Na historiografia brasileira, o
capitão-do-mato é uma bem conhecida figura. Ele vem de baixo. Geralmente
recrutado dentre os mais pobres que sonham ter alguma ascensão social e ser
reconhecido como alguém de alguma importância, mesmo que para isso tenha que
exercer funções e fazer exatamente aquilo que destrói a dignidade de quem,
assim como ele, também “veio de baixo”, ou que pela condição de não possuir a
liberdade, está ainda mais abaixo na escala valorativa da sociedade.
O capitão-do-mato é o mestiço pobre
que tenta dar certo através de um único talento e um único mérito. O talento é
o de saber escolher um bom senhor para que dele possa dispor para todo e
qualquer desejo ou projeto, mesmo os mais sórdidos. Para isso, usa de seu único
mérito, o de ser tão fiel enquanto durar o uso. Com isso, o capitão-do-mato
amealha o medo dos mais subalternos, a quem tem que capturar, subjugar e
maltratar a mando dos poderosos e o prestígio de um bufão entre esses mesmo
senhores.
O que deixa o capitão-do-mato mais
nervoso não é o quilombo, símbolo de resistência. Ele lhe dá uma boa
oportunidade até. O de provar o quanto sua ausência de caráter pode desdobrar-se
a ponto de fazer sorrir de satisfação os seus senhores. A resistência, para o
capitão é uma prova para sua capacidade de espalhar o pior para que colha o
melhor dentre os que podem continuar a lhe dar o que deseja. Quando questionado
sobre o mal que faz a sua gente, o capitão faz a cena de ser humano, pode
chorar, pode franzir a testa e esboçar uma ponta de cansaço em ser tão
incompreendido em suas boas intenções quando sublima a vida alheia em troca da
sua fama efêmera.
Infelizmente a gestão educacional
brasileira faz jus a sua história. Sobretudo no setor público, na área da
gestão, é raríssimo encontrarmos nos colegas professores a figura exponencial
de um agente de transformação. Encontramos o velho capitão, cavaleiro de triste
figura. Desse modo, só nos resta a luta. Organizada, firme, insistente, sem
buscar nada além da vitória dos verdadeiros competentes. Assim os senhores do
poder, ao menos enquanto o tiverem nas mãos, podem enxergar com mais clareza o
que significa o fenômeno educação para o seu povo.
segunda-feira, 15 de janeiro de 2018
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Os Dois Coronéis (Publicado no Jornal Folha dos Lagos de 13/1)
Não é incomum as pessoas
qualificarem de coronelismo uma experiência política de domínio indesejado. Se
por um lado é difícil crer num aspecto positivo, não obstante se faz necessário
um ponto de inflexão: Nem todo coronelismo é igual. Sem maiores filtros vamos
pensar apenas nos dois mais conhecidos, o urbano e o rural.
Podemos afirmar sem medo de errar
que o coronelismo urbano é um produto deformado do rural. Em ambos temos a
constituição de famílias políticas que vão emplacando de modo cada vez mais
capilar os membros diretos, colaterais e associados da parentela. Da mesma
maneira, nas duas modalidades temos o controle praticamente absoluto da coisa
pública como uma extensão dos interesses privados.
Insistindo ainda um pouco mais
nas semelhanças, temos a transformação da justiça, assim como todos os demais
poderes e instâncias da estrutura republicana, como extensões de domínio, ou
seja, basta que se tenha dinheiro, poder de fogo (aqui tomado de maneira
literal), ou bons vínculos de reciprocidade para que se coloque a interpretação
da legalidade dos atos sob o crivo da vontade pessoal. O resultado mais visível
é o escárnio cínico dos mandatários quando confrontados com seus próprios
malfeitos, cientes de que estão acima de tudo e de todos, portanto, com plena
capacidade de justificar o que bem entenderem.
Sem prolongar esse olhar das duas
faces no espelho, encontramos outra semelhança fundamental, a formação de
currais. É muito importante que existam currais nessa modalidade de se fazer política.
Entretanto, há uma baia para cada tipo de animal. Existe o espaço para os
rebanhos do gado xucro, aquele que é importante no volume, mas facilmente
controlado pelos demais animais de estrebaria: cavalos, cachorros e outros a
quem se pode delegar algum poder.
Entretanto as semelhanças param
por aí. E justificando o porque o coronelismo urbano é um furto pervertido do
rural é forçoso reconhecer, sem nenhum mérito adicional – registre-se – que no
coronelismo rural ainda prevalecem dois elementos completamente ausentes no
urbano, o cuidado com as pessoas e, consequentemente, o zelo com a oferta do
que elas precisam. É do brio do coronel rural cuidar, proteger... Uma
contrapartida que mais se assemelha ao proletariado romano, aos magistrados e
seus clientes, uma relação de contrapartida onde um apadrinha o outro e a troca
de benefícios se dá na escala definida pela posição de um e pela necessidade do
outro.
Já o coronel urbano possui um
carisma cínico. Abraça e beija seu povo na mesma intensidade do que o priva do
básico. Após a conquista do poder, ele não tem o senso da contrapartida, do
compromisso, pelo contrário! Torna-se unilateralmente violento, arbitrário,
comportando-se não como um dispersor de benefícios, mas como um saqueador
insaciável. Se o prestígio dá aos coronéis rurais a continuidade e capilaridade
de seu poder, aos urbanos só resta o uso da paga mercenária, da ameaça de mais
terror e caos e da quase inevitabilidade de sua presença pela capacidade de
produzir dor e escassez.
Os dois não são desejáveis. Mas apenas um ainda se
faz muito mais vivo e presente.
terça-feira, 9 de janeiro de 2018
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O Ano da Sobrevivência (Publicado no Jornal Folha dos Lagos de 06/1)
Em 2018 a região vai vivenciar as
eleições para prefeito. Pelo menos indiretamente. Isso porque praticamente não
se observa no horizonte uma candidatura viável com interesse exclusivo na
representatividade legislativa. Assim, mesmo que sejam eleitos, esses
representantes vão “esquentar o banco” federal ou estadual apenas para turbinar
um projeto político/eleitoral de um pouco mais adiante. Arriscaria o
prognóstico que a região ficará sem representante na próxima legislatura,
levando a compromisso com deputados “de fora” para que possam deixar algum
espaço em seus redutos para olhar para nossas bandas. Isso não é novidade
propriamente. Nossas terras já foram bons currais externos e essa vocação
também pode se tornar a turbina eleitoral de 2020.
Seja como for, todas as
prefeituras da região tem um tempo limite de seis meses para resolver suas
pendências. O problema é o para que resolver. Aí se encontra a encruzilhada. No
modo de fazer política à brasileira, o poder público se ajeita em função do
calendário político, portanto, responde a projetos de poder puro e simples. Assim,
qualquer melhoria será apenas melhoria, quando os tempos de hoje gritam por
mudança significativa, por transformação, por abertura de espaços para pessoas
não apenas íntegras como também absolutamente competentes no que fazem. Falta à
política a noção de serviço. Político deveria se comportar como servidor e não
como um ungido de cabeça coroada, a frente de uma corte de bajuladores
interesseiros.
Com base em dados, indicadores e
reunindo os cérebros certos, foram muitos os governos em todos os níveis e em
todas as nacionalidades ao longo da história que constituíram projetos não
apenas inovadores como também decisivos para o bem-estar de suas comunidades.
Assim, conseguia-se enxergar uma identidade de grupo, uma noção de onde se
parte e para onde se vai. O que mais vemos, no entanto, é um caleidoscópio de
pequenas peças, se mexendo individualmente para dar alguma visão de volume ao
todo. Mais ainda assim, peças soltas.
Acreditam os paranormais da
economia, em sua vidência, que 2018 será um ano de melhora. Particularmente
devíamos colocar a devoção em outros santos. É de uma inacreditável ingenuidade
alguém conceber capitalismo sem crise. Portanto elas, cedo ou tarde, farão
parte do processo. E como gestão é administrar a escassez para que todos possam
ter algo de bom, são necessários talento, integridade e inteligência, mas,
acima de tudo, planejamento. O que não é mais possível é tentar colocar roupas
curtas em elefantes. E isso significa coloca o modelo político tradicional na
berlinda;
Sim, pois para sobreviver ele
precisa continuar a reproduzir suas práticas e, para isso, precisa de grandes
recursos. Mas como esses recursos não são mais graciosos é preciso produzir essas
condições. Só que para produzir essas condições os governos não podem mais ser
o que são. Desse modo, manter as coisas como são exigem cada vez mais
compromissos externos, loteamento de governos e tudo o mais que apenas servem
para manter pessoas e não uma efetiva perspectiva de transformação e
desenvolvimento.
Esse ano promete. Vamos apenas
ver o que cumprirá.
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