segunda-feira, 7 de maio de 2018
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Lições Políticas (Publicado no jornal Folha dos Lagos, edição de 05 e 06 de maio).
Por volta de 1830 a Inglaterra já fervilhava com os
desdobramentos da Revolução Industrial.
Se por um lado o país se desenvolvia economicamente de modo acelerado,
por outro ainda sofria com os desequilíbrios tanto inerentes ao novo sistema
político/econômico. O problema da representatividade era um deles. Os distritos
industriais mais desenvolvidos tinham uma representatividade parlamentar
inferior a de localidades com ínfima
população e baixa relevância econômica. O proletariado, nesse tempo, não podia
votar nem ser votado mas, como lhe interessava os possíveis benefícios de uma
representatividade indireta, alia-se à burguesia em prol da Reforma Política.
Com a vitória da proposta, foi abandonada pela mesma burguesia que apoiou. Aprendeu
a lição. Os pactos entre o capital e o trabalho são frágeis como cristais. A
conseqüência disso foi a criação do Movimento da Carta que, junto com os
sindicatos, percorreu o país pedindo direitos trabalhistas como a redução da
jornada de trabalho para 10 horas diárias e, entre outras demandas, o direito
de votar e ser votado. Para isso, era necessário que os representantes eleitos
pelo povo pudessem ter como se sustentar. Naquele momento a função parlamentar
não era remunerada, possibilitando apenas que os mais abastados, de fato,
controlem o poder.
Hoje ainda temos certas ilusões em nossa democracia. Trago à
luz pelo menos três. A primeira é a de que ser remunerado para o trabalho
político é algo errado. Não é. De fato, como na luta inglesa dos séculos
passados, é o que possibilita que as pessoas possam dedicar seu tempo tendo em
contrapartida como se manter já que suas atividades pessoais ou são impedidas
ou restringidas por questões legais ou de mesmo de tempo. Acreditar que a
política deveria ser gratuita é assumir implicitamente que só os mais ricos,
que são donos de seu tempo, podem ocupar funções públicas. O problema são os
excessos, as distorções e a mazela da corrupção. A segunda é a crença de que a
gestão pública deve ser entregue ao setor privado através de seus partidos e
representantes. A afirmação de que a gestão pública deveria ser como a de uma
empresa é algo que só pode ser dito por quem desconhece por completo a teoria e
a natureza prática da administração. É como voltar ao modelo parlamentar
burguês da aurora do capitalismo, ou seja, quem controla o capital passa a
gerir o Estado conforme os seus interesses imediatos. A relação dos empresários
com o Estado, no nosso país é um tanto estranha. O Estado é visto como madrasta,
como inimigo do crescimento. Entretanto, as renúncias e incentivos dados pela
“viúva” são maiores do que todo o orçamento deste ano das pastas da saúde e
educação. Nada mal.
O terceiro é a de todos os políticos são corruptos e a
política é algo detestável de modo geral. Essa crença é a mais perversa. Ela
afasta as pessoas qualificadas e mais capazes para contribuir para a gestão e
desenvolvimento da coisa pública. Investir com salários e carreiras atraentes
no setor, diminuindo o tamanho e o alcance da montagem paralela das estruturas
de governo pode ser uma saída interessante. Mas precisamos ainda dar nosso voto
de confiança. Não a anjos posto que não existem encarnados. Temos bons
políticos que estão na luta para que as boas práticas prevaleçam mas é preciso
atenção redobrada pois nessas horas surgem o moralismo fascista, vazio e
violento e a tecnocracia esnobe, fria, sociopática. E eles tem adeptos até
mesmo nas camadas que são seus alvos prioritários.
E, por fim, não deixarmos de votar. Nunca. É uma conquista
histórica, lenta e que tem as cores do sangue dos mais pobres.
domingo, 22 de abril de 2018
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Educação Finlandesa (Publicado no Jornal Folha dos Lagos - Edição de 21/22 de abril)
Quando o assunto é educação
geralmente temos orgulho e surpresa em olhar para experiências bem sucedidas no
exterior. Depois de tempos de louvor ao modelo sul-coreano, a vedete do momento
torna-se a Finlândia. Não é para menos. O país nórdico encontra-se sempre nas
primeiras posições do Pisa, avaliação internacional que mede o nível
educacional de jovens de 15 anos nos países-membros da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Quando entrevistados,
professores, alunos e gestores são unânimes quanto a uma palavra: Valorização. Infelizmente
no Brasil a palavra valorização é desconhecida em seu sentido original.
Confundimos valorizar com gostar, respeitar, falar bem. Para os finlandeses
esse não é um sentido atribuído mas uma conseqüência do que, de fato, é
valorização.
Valorizar é agregar valores.
Parece óbvio mas é completamente diferente do que praticamos aqui. Podemos
elencar o receituário deles, falando sobre o fato de praticamente toda a
educação nacional ser pública e possuir padrões salariais altos para docentes,
estimulando a carreira. Podemos prosseguir mostrando que suas escolas são bem
equipadas, com horários compatíveis com a rotina cultural e biológica dos
jovens e com currículos atualizados e ensinados de modo inovador. Podemos ainda
insistir mostrando que seus gestores são pessoas que entendem, de fato, de
educação. E concluir com uma cultura nacional que valoriza a educação e a
escolaridade sob a forma de oferta de empregos bem pagos para quem se dedica a
vida escolar e acadêmica.
No Brasil achamos que copiar modelos é a chave do
sucesso. O problema é exatamente esse, o de reduzir uma experiência social
complexa, como a da Finlândia, para que se transforme em um “manual pedagógico”
a ser costurado como o monstro de Frankenstein em nossas partes decompostas. Lá
a educação não se tornou peça retórica para politicagem vazia, não se concebe
por doutrinação social em favor de ideologias particulares e nem como uma mera
pré-condição obrigatória perante a legislação. Lá há uma compreensão ampla,
holística da educação como princípio de toda a organização social, cultural e
econômica. A política, nesse sentido, cuida para que esses três pilares
permaneçam sólidos.
Enquanto por aqui convivermos com
a politicagem com a educação, transformando-a em mecanismo compensatório do
empreguismo simplório, da outorga a gestão das pastas educacionais a notórios
despreparados e do tratamento estrutural baseado na precariedade, no jeitinho,
no adaptado, não seremos Finlândia. Enquanto nos preocuparmos mais em gerar
pilhas e mais pilhas de documentos, diretrizes, resoluções, parâmetros,
portarias, marcos e todo um aparato monumental de instâncias e vigias, tudo
para conferir se a precariedade vai em boa ordem, não seremos Finlândia. Enquanto
nossos políticos e gestores de pasta
tratarem a questão salarial do docente como uma piada de mau gosto, enquanto
lançarem mão da prepotência, arrogância, ou mesmo da falsidade, fingindo
compreender e estar ao lado de quem, na verdade, combatem com todas as forças
para que seus privilégios pessoais permaneçam intocados, não seremos Finlândia.
Enquanto o mercado, a economia não valorizarem monetariamente o estudo,
estancando a exploração em nome do lucro, pagando cada vez menos aos mais
escolarizados, desencorajando carreiras, não sermos Finlândia.
Seremos nós. O Brasil orgulhoso
da sua educação pouca para muitos e seletiva, para poucos.
domingo, 15 de abril de 2018
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Mudar para Permanecer (Artigo publicado no Jornal Folha dos Lagos de 14/4)
A política em nossas terras tem a
peculiaridade de se modernizar de modo conservador. Dito em outras palavras, o
que é inovador em nossas práticas tem apenas a forma, a aparência e o nome. No
fundo, muda-se para conservar.
Um bom exemplo, para não dizer
lição, pode ser aprendido dos nossos livros de história. Vivemos uma república
que prometeu, na forma, ser a vanguarda transformadora de um império caduco,
atrasado, com o ranço aristocrático dos “casacas”. Entretanto, deixando aqui as
devidas ressalvas ao modelo de governança monárquico (o qual não tenho real
apreço), podemos observar um fato curioso: Um imperador se aproximando de uma
nova elite urbana e empreendedora, a abolição do trabalho escravo tendo em
vista uma progressiva transformação das relações de produção, entre outros
sonhos dourados que acalentavam um desejado Terceiro Reinado.
Mas aí veio a república, filha
unigênita de uma quartelada do exército, misturada em menor parcela com as
tintas quase inexpressivas dos ditos “pensadores” liberais. De liberal o
movimento teve pouca coisa, de fato. Até porque não foi essa gente que pariu a
criança nova da mudança, foram as camadas agrárias, escravistas, conservadoras,
que sustentaram e, assim que puderam, tomaram o governo aos goles de café com
leite, raivosas pelo abandono de Sua Majestade.
Ou seja, enquanto na Europa os
movimentos republicanos vinham acompanhados do engajamento e participação
popular e de uma efetiva transposição de poder e de concepção de Estado e de governo,
nas Américas coube aos elementos mais conservadores realizar, com alguns pares
apenas, a mudança de tudo que ameaçasse mudar o seu mundo.
Hoje sofremos desse mesmo mal. Há
pouca mudança no horizonte. Vejamos o caso da prisão do ex-presidente Lula. Não
há como esconder a seletividade de uma justiça que faz política. O jogo é para
prender uns, soltar outros e inocentar centenas ou milhares. É a mudança que
não muda, apenas rearranja o jogo. Mas daí a acreditar que Lula é um mártir
inocente vai uma distância colossal. Negar que ele não esteve no epicentro de
um sofisticado esquema de cooptação e corrupção generalizada envolvendo agentes
públicos e privados é de uma ingenuidade quase infantil.
Agarrar-se a tese de que ele não é
um homem falível e corruptível mas sim uma “ideia” que tirou milhões de
brasileiros da pobreza, é assumir que a esquerda brasileira não é lá muito
diferente da direita nas suas práticas, apenas mais eficiente nos seus efeitos.
Sintetizar as possibilidades da esquerda no “lulismo” é inaugurar uma síndrome
de Robin Hood (desconsiderando ainda que os ricos em seu governo não foram
“roubados e nem sequer incomodados...). Pior é reduzir a crítica ao novo deus
imolado de puro fascismo... É nessa hora que nos tornamos o que combatemos.
Há alguns pares de décadas atrás, no
tempo em que as redes sociais virtuais eram sonho de ficção científica, Nelson
Rodrigues chegara a constrangedora conclusão de que os idiotas são a maioria.
Entretanto, naquele tempo, como bem nos adverte o historiador Leandro Karnal,
eles tinham uma severa dificuldade de aparecer, de manifestar o conteúdo dos
seus ódios, preconceitos, reducionismos e tudo mais. A internet e o advento das
redes deram a esse segmento majoritário um canal livre e desimpedido para que,
assustadoramente, nos cheguem clara e desafiadoramente às vistas. Para piorar
essa situação, a grande cáfila dos idiotas já conta com programa político e
seus respectivos representantes, já eleitos ou por eleger. A imbecilidade
majoritária é um sintoma difícil de colocar em um só campo do saber. Podemos
atribuir ao egoísmo de um narciso infantil mal resolvido, onde se deseja de
modo arbitrário e violento fazer prevalecer uma visão de mundo distorcida e,
com ela, todo o conteúdo simplório, distorcido e com uma carga de autoritarismo
vista somente nas grandes tragédias da humanidade.
Lembro-me da filósofa Hannah
Arendt quando acompanhou o julgamento do figurão nazista Adolf Eichmann, a
convite de uma revista e que resultou em sua polêmica obra “Eichmann em
Jerusalém”. Em sua análise, o genocida
não era tão ideologicamente vinculado assim ao antissemitismo entre outras
premissas simbólicas do Partido Nazista. Era um burocrata eficiente e de
capacidade abominável de cumprir as piores e mais perversas ordens como uma
tarefa a ser cumprida. Foi enforcado. E por que ele assim procedia? A
explicação não é tão simples mas pode ser entendida pelo que a filósofa chama
de “banalização do mal”.
Quando o mal é banalizado ele vira a solução. Ou
melhor, ele pode ser visto como solução para outros males, desde que
naturalizado na dimensão maquiavélica de que os “fins justificam os meios”. E
ele é extremamente eficiente posto que nos cega para qualquer outra dimensão.
Por isso, chamamos direitos humanos – uma conquista evolutiva da moralidade
humana – em instrumentos de defesa de bandidos. É nesse caminho que trilhamos
quando defendemos o que nos protege do estado de natureza hobbesiano, o todos
contra todos, ao tirarmos do Estado-Leviatã o monopólio da força e da
capacidade de regular a vida em comum e passar essa prerrogativa para que as
pessoas portem livremente armamentos e possam atirar em quem bem entender. Afinal,
todos sabemos que os “bandidos” não serão os únicos mortos.
Em um país como o nosso, violento
da cabeça aos pés, ou seja, tem uma elite narcísica e violenta, uma classe
média conservadora e violenta, e uma camada pobre imersa no cotidiano da
violência como meio quase natural de sua vida, o que esperarmos quando uma
vereadora, ativista dos direitos humanos é executada? Desvencilhamos o fato de
quem era ela? Foi uma vítima asséptica do acaso da violência urbana? Estupidez
sem tamanho. A bala que matou a Marielle foi direcionada a tudo que ela era
sim. Pois o que produz “Marielles” são negras pobres, de periferia. As que
convivem com o arbítrio e os abusos diários tanto de quem deveria protegê-las
quanto dos que são produzidos pela profunda desigualdade para ser o que nós
chamados de tralhas, bandidos e coisas assim. Em pleno século XXI ainda
acreditamos que ser marginal é apenas uma opção, coisa de índole, como se o ser
humano de Rousseau renascesse naturalmente bom mas sem a parte de que a
sociedade o corrompe. Ele se corrompe sozinho e por que quer. E quem tem pena
que leve para casa. Não é assim o discurso comum?
Sinto muito pela vereadora. A
bala foi para tudo o que ela representa sim. No país do mal banalizado, podemos
simplesmente tratar a questão como fatalidade. Podemos tentar fazer com que a
moral da Marielle seja manchada com alguma mentira construída (e a história tem
tantas a disposição...) para que o coletivo majoritário dos idiotas possam
vangloriar-se com o famoso “ninguém morre de graça” ou “morreu pelas mãos dos
bandidos que defendeu”.Ao que parece não teremos mais eleições. Teremos um
confronto civilizacional. Só um dos dois lados passará. E se o lado do mal
banalizado prevalecer, quem sabe Eichmann não seja mais enforcado.
domingo, 11 de março de 2018
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Qual Jovem? (Publicado no jornal Folha dos Lagos de 10/3)
Com a aproximação das eleições
voltamos a escutar uma dúzia e meia de discursos sobre a juventude, seu papel,
sua importância, a necessidade de fazer parte da política. Entretanto o termo é
tão genérico quanto tudo que dizem ser o tal receituário participativo. De fato
o jovem não está tão longe da política assim. É necessário apenas compreender
de que jovens estamos falando.
Por exemplo, para os velhos
esquemas políticos os seus jovens são uma necessidade de apresentar uma
novidade, uma nova cara, mas com tudo que pode representar permanência no
poder. Para piorar a situação, os mimados novinhos conseguem ser ainda piores e
mais danosos a sociedade do que seus predecessores. Explica-se. Os que
conseguiram no passado formar grupos políticos razoavelmente bem sucedidos,
utilizando para isso todas as artimanhas e práticas comuns ao nosso fazer
político, o fizeram com algum grau de compromisso com seu espaço vital.
Porém, as crias naturais ou
agregadas desses grupos, não foram acostumadas com a necessidade ou com a
dificuldade em consolidar-se com algum legado concreto. São da geração que se
deu ao luxo dos cargos fantasmas, das vantagens e benesses, da absoluta falta
de necessidade de uma carteira assinada ou de um expediente com metas de
produtividade. Ao emergir para a vida pública, o único compromisso dessa
juventude é a manutenção do poder e, obviamente, enriquecer. E só. Não é
possível estabelecer nenhum compromisso com esse tipo de jovem político. Não
possuem visão além do cifrão. Na verdade, essa juventude não precisa nem ao
menos fazer política, no sentido clássico, relacional do termo. Seus grupos já
vem pagos e a “máquina” já vem ligada para que eles apenas pilotem sem maiores
preocupações. Tudo cai facilmente no colo para que apenas possam fazer os acordos
que mais atenderem aos seus caprichos pessoais.
O outro tipo de jovem é o das
classes populares. Aqui, há os que vêm com etiqueta de preço e engrossam os
exércitos de cabos eleitorais remunerados daqueles outros jovens que
continuarão muito ricos a custa da pobreza dos que levam seus santinhos para as
ruas e para as urnas. E há os que despertam para alguma criticidade,
militância, posicionamento. Não se vendem. Não se corrompem. Querem discutir,
mesmo que ainda de maneira um tanto enviesada, projetos e idéias. Mas esses são
os jovens chamados de ruins, de manipulados, de maconheiros, de esquerdopatas
ou coisas do gênero.
Claro que os jovens políticos dos
velhos esquemas não podem parecer o que realmente são. Instáveis,
inexperientes, rasos e extremamente vingativos. Para isso usam seus prepostos,
fazendo toda a maldade possível, mas vendendo uma falsa discordância entre os
dois lados de uma mesma moeda. É como
agiota que diz discordar da tortura mas que não pode fazer nada, pois o
torturador é “de outro departamento”.
Sendo assim, prestemos atenção
quando o assunto é juventude e, especialmente, movimentos de juventude. Nem
sempre temos grandes novidades para além da politicagem.
segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018
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Capitão-do-Mato (Publicada no jornal Folha dos Lagos de 3/2/18)
Vamos iniciar em nossa coluna um
ciclo de discussões acerca de um tema de urgente e extrema importância:
Educação. Conversando com meus colegas docentes sobre os problemas que afetam a
área em diferentes níveis de intensidade, pude revisitar algumas observações
mais antigas e que continuam, assim como os problemas, um tanto atuais. Um
deles, que abre nossa conversa pode ser denominada de “síndrome do
capitão-do-mato”.
Na historiografia brasileira, o
capitão-do-mato é uma bem conhecida figura. Ele vem de baixo. Geralmente
recrutado dentre os mais pobres que sonham ter alguma ascensão social e ser
reconhecido como alguém de alguma importância, mesmo que para isso tenha que
exercer funções e fazer exatamente aquilo que destrói a dignidade de quem,
assim como ele, também “veio de baixo”, ou que pela condição de não possuir a
liberdade, está ainda mais abaixo na escala valorativa da sociedade.
O capitão-do-mato é o mestiço pobre
que tenta dar certo através de um único talento e um único mérito. O talento é
o de saber escolher um bom senhor para que dele possa dispor para todo e
qualquer desejo ou projeto, mesmo os mais sórdidos. Para isso, usa de seu único
mérito, o de ser tão fiel enquanto durar o uso. Com isso, o capitão-do-mato
amealha o medo dos mais subalternos, a quem tem que capturar, subjugar e
maltratar a mando dos poderosos e o prestígio de um bufão entre esses mesmo
senhores.
O que deixa o capitão-do-mato mais
nervoso não é o quilombo, símbolo de resistência. Ele lhe dá uma boa
oportunidade até. O de provar o quanto sua ausência de caráter pode desdobrar-se
a ponto de fazer sorrir de satisfação os seus senhores. A resistência, para o
capitão é uma prova para sua capacidade de espalhar o pior para que colha o
melhor dentre os que podem continuar a lhe dar o que deseja. Quando questionado
sobre o mal que faz a sua gente, o capitão faz a cena de ser humano, pode
chorar, pode franzir a testa e esboçar uma ponta de cansaço em ser tão
incompreendido em suas boas intenções quando sublima a vida alheia em troca da
sua fama efêmera.
Infelizmente a gestão educacional
brasileira faz jus a sua história. Sobretudo no setor público, na área da
gestão, é raríssimo encontrarmos nos colegas professores a figura exponencial
de um agente de transformação. Encontramos o velho capitão, cavaleiro de triste
figura. Desse modo, só nos resta a luta. Organizada, firme, insistente, sem
buscar nada além da vitória dos verdadeiros competentes. Assim os senhores do
poder, ao menos enquanto o tiverem nas mãos, podem enxergar com mais clareza o
que significa o fenômeno educação para o seu povo.
segunda-feira, 15 de janeiro de 2018
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Os Dois Coronéis (Publicado no Jornal Folha dos Lagos de 13/1)
Não é incomum as pessoas
qualificarem de coronelismo uma experiência política de domínio indesejado. Se
por um lado é difícil crer num aspecto positivo, não obstante se faz necessário
um ponto de inflexão: Nem todo coronelismo é igual. Sem maiores filtros vamos
pensar apenas nos dois mais conhecidos, o urbano e o rural.
Podemos afirmar sem medo de errar
que o coronelismo urbano é um produto deformado do rural. Em ambos temos a
constituição de famílias políticas que vão emplacando de modo cada vez mais
capilar os membros diretos, colaterais e associados da parentela. Da mesma
maneira, nas duas modalidades temos o controle praticamente absoluto da coisa
pública como uma extensão dos interesses privados.
Insistindo ainda um pouco mais
nas semelhanças, temos a transformação da justiça, assim como todos os demais
poderes e instâncias da estrutura republicana, como extensões de domínio, ou
seja, basta que se tenha dinheiro, poder de fogo (aqui tomado de maneira
literal), ou bons vínculos de reciprocidade para que se coloque a interpretação
da legalidade dos atos sob o crivo da vontade pessoal. O resultado mais visível
é o escárnio cínico dos mandatários quando confrontados com seus próprios
malfeitos, cientes de que estão acima de tudo e de todos, portanto, com plena
capacidade de justificar o que bem entenderem.
Sem prolongar esse olhar das duas
faces no espelho, encontramos outra semelhança fundamental, a formação de
currais. É muito importante que existam currais nessa modalidade de se fazer política.
Entretanto, há uma baia para cada tipo de animal. Existe o espaço para os
rebanhos do gado xucro, aquele que é importante no volume, mas facilmente
controlado pelos demais animais de estrebaria: cavalos, cachorros e outros a
quem se pode delegar algum poder.
Entretanto as semelhanças param
por aí. E justificando o porque o coronelismo urbano é um furto pervertido do
rural é forçoso reconhecer, sem nenhum mérito adicional – registre-se – que no
coronelismo rural ainda prevalecem dois elementos completamente ausentes no
urbano, o cuidado com as pessoas e, consequentemente, o zelo com a oferta do
que elas precisam. É do brio do coronel rural cuidar, proteger... Uma
contrapartida que mais se assemelha ao proletariado romano, aos magistrados e
seus clientes, uma relação de contrapartida onde um apadrinha o outro e a troca
de benefícios se dá na escala definida pela posição de um e pela necessidade do
outro.
Já o coronel urbano possui um
carisma cínico. Abraça e beija seu povo na mesma intensidade do que o priva do
básico. Após a conquista do poder, ele não tem o senso da contrapartida, do
compromisso, pelo contrário! Torna-se unilateralmente violento, arbitrário,
comportando-se não como um dispersor de benefícios, mas como um saqueador
insaciável. Se o prestígio dá aos coronéis rurais a continuidade e capilaridade
de seu poder, aos urbanos só resta o uso da paga mercenária, da ameaça de mais
terror e caos e da quase inevitabilidade de sua presença pela capacidade de
produzir dor e escassez.
Os dois não são desejáveis. Mas apenas um ainda se
faz muito mais vivo e presente.
terça-feira, 9 de janeiro de 2018
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O Ano da Sobrevivência (Publicado no Jornal Folha dos Lagos de 06/1)
Em 2018 a região vai vivenciar as
eleições para prefeito. Pelo menos indiretamente. Isso porque praticamente não
se observa no horizonte uma candidatura viável com interesse exclusivo na
representatividade legislativa. Assim, mesmo que sejam eleitos, esses
representantes vão “esquentar o banco” federal ou estadual apenas para turbinar
um projeto político/eleitoral de um pouco mais adiante. Arriscaria o
prognóstico que a região ficará sem representante na próxima legislatura,
levando a compromisso com deputados “de fora” para que possam deixar algum
espaço em seus redutos para olhar para nossas bandas. Isso não é novidade
propriamente. Nossas terras já foram bons currais externos e essa vocação
também pode se tornar a turbina eleitoral de 2020.
Seja como for, todas as
prefeituras da região tem um tempo limite de seis meses para resolver suas
pendências. O problema é o para que resolver. Aí se encontra a encruzilhada. No
modo de fazer política à brasileira, o poder público se ajeita em função do
calendário político, portanto, responde a projetos de poder puro e simples. Assim,
qualquer melhoria será apenas melhoria, quando os tempos de hoje gritam por
mudança significativa, por transformação, por abertura de espaços para pessoas
não apenas íntegras como também absolutamente competentes no que fazem. Falta à
política a noção de serviço. Político deveria se comportar como servidor e não
como um ungido de cabeça coroada, a frente de uma corte de bajuladores
interesseiros.
Com base em dados, indicadores e
reunindo os cérebros certos, foram muitos os governos em todos os níveis e em
todas as nacionalidades ao longo da história que constituíram projetos não
apenas inovadores como também decisivos para o bem-estar de suas comunidades.
Assim, conseguia-se enxergar uma identidade de grupo, uma noção de onde se
parte e para onde se vai. O que mais vemos, no entanto, é um caleidoscópio de
pequenas peças, se mexendo individualmente para dar alguma visão de volume ao
todo. Mais ainda assim, peças soltas.
Acreditam os paranormais da
economia, em sua vidência, que 2018 será um ano de melhora. Particularmente
devíamos colocar a devoção em outros santos. É de uma inacreditável ingenuidade
alguém conceber capitalismo sem crise. Portanto elas, cedo ou tarde, farão
parte do processo. E como gestão é administrar a escassez para que todos possam
ter algo de bom, são necessários talento, integridade e inteligência, mas,
acima de tudo, planejamento. O que não é mais possível é tentar colocar roupas
curtas em elefantes. E isso significa coloca o modelo político tradicional na
berlinda;
Sim, pois para sobreviver ele
precisa continuar a reproduzir suas práticas e, para isso, precisa de grandes
recursos. Mas como esses recursos não são mais graciosos é preciso produzir essas
condições. Só que para produzir essas condições os governos não podem mais ser
o que são. Desse modo, manter as coisas como são exigem cada vez mais
compromissos externos, loteamento de governos e tudo o mais que apenas servem
para manter pessoas e não uma efetiva perspectiva de transformação e
desenvolvimento.
Esse ano promete. Vamos apenas
ver o que cumprirá.
sábado, 30 de dezembro de 2017
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Ano Novo? (Publicada no jornal Folha dos Lagos de 30/12)
O que esperar para 2018? Creio em
particular que seja um ano com pelo menos duas grandes tendências: A de
consolidar a mesmice ou acender a fagulha de uma transformação mais intensa.
Para a primeira opção pesa a história. Corrupção e crise não são novidades e as
pessoas aqui tem o mau hábito de apenas perceber uma em função da outra. Ou
seja, apenas em momentos de crise é que a corrupção é percebida como algo nocivo.
Quando ela é vencida, a corrupção volta ao patamar do aceitável. Na verdade
quando as pessoas estão minimamente satisfeitas com o que tem, os malfeitos na
coisa pública são notados ou como uma regra do jogo inevitável ou como algo que
um dia, quem sabe, pode vir a beneficiar direta ou indiretamente.
Desse modo, não acredito que
tenhamos surpresas nas eleições desse ano caso a crise comece a melhorar. Os
grupos políticos, mais especificamente os construtores de dinastias, sabem bem
que para o eleitor, quando este está levando uma vida normal, basta apenas um
dinheiro e algumas promessas. Em suma, melhorando o cenário, vamos assistir
embasbacados campanhas de deputados dinásticos turbinadas por vários segmentos
da população que antes clamavam por mudança. Mas se a crise não melhorar esses
grupos terão mais dificuldade. Aí nem o dinheiro resolve o problema. Vamos
então torcer pela crise prolongada? Tentador. Mas não é o caminho.
Só que para haver a melhora é
preciso projeto, estudo e inteligência. Três coisas que geralmente os governos
tem pouquíssimo ou nenhum apreço. As máquinas públicas se tornaram algo
estranho. Precisam responder aos sinais dos tempos, sobretudo os agudos, mas ao
mesmo tempo manter a estrutura que sempre fizeram as coisas ser como são. Nessa
conta, sobram iniciativas individuais aqui ou acolá mas sem articulação, sem
fazer parte de uma visão maior... Fazer administração pública hoje se tornou
uma colcha de retalhos, em partes você encontra seda, em outras, pano de saco.
No final, o cobertor fica estranho, irreconhecível, as vezes imprestável.
A chance de mudança passa por
essa reflexão. Teremos a oportunidade de usar os melhores quadros, entre
futuros eleitos e futuros trabalhadores na coisa pública, sem que o critério
seja o de pertença a grupo tal e qual. Isso é primário e estúpido. Até porque
muitos bons quadros se tornam meros bibelôs. Estão lá para que se possa, quando
necessário, dizer que estão. O chamado verniz.
Oportunidades mesmo, sempre são
dadas aos que se dispõem aos esquemas fisiológicos, aos que não se importam em
ser fantoches, aos que só querem um bom salário e não se preocupam minimamente
com o sentido da palavra servidor. São para os que conseguiram juntar votos ou
a promessa deles. Uma confederação de menos capazes.
Só que os tempos pedem os
melhores. Que tenhamos a coragem de dar a eles a oportunidade de fazer o que
podem. Para isso, não basta desejar, mas construir um 2018 de competência e de
diálogo.
Feliz ano novo.
sábado, 23 de dezembro de 2017
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Feliz Natal (Publicado no Jornal Folha dos Lagos de 23/12)
Historicamente o natal é
comemorado como uma festa cristã. Estima-se que mais de dois bilhões de pessoas
estarão, no próximo dia 25, relembrando o nascimento de Jesus de Nazaré. O que
nem todos sabem é que esse conjunto de referências que envolvem a data não
pertence de modo direto aos seguidores do divino aniversariante e, em tempos de
intolerância e esquecimento dos diferentes modos de nos religarmos a tudo o que
nos cerca, vale a pena um papo histórico para acompanhar os festejos.
A começar pela própria data. O
nascimento de Jesus não chega a ser nem uma estimativa e sim uma definição
apriorística. Por volta do ano 200 definiu-se a data de 20 de maio. Mais a
frente, 180 anos depois, a data passa a ser a que hoje tradicionalmente é
celebrada: 24/25 de dezembro. E por quê? Na primeira data citada, o
cristianismo era uma seita ilícita nos domínios de Roma. Antes da segunda data
um fato memorável definiria a virada do jogo: A conversão do imperador
Constantino em 312. De seita ilícita a permitida e encorajada, a religião moral
passou a ganhar adeptos em escala. O próprio imperador, no dúbio papel de chefe
da nascente Igreja Cristã e de expoente máximo do paganismo, sintetizou o que
seria a tônica dali por diante, o sincretismo que aos poucos traria as crenças e
práticas populares para o seio da cristandade. Lembrando que o termo “pagão”
designa as pessoas simples, do campo ou ligadas a terra.
Então vamos lá. Em 25 de dezembro
era celebrado o Yule, o solstício de inverno no hemisfério norte (e celebrado o
sol de verão no sul...), festa muito popular no paganismo. Mas não só. Era um
dia atribuído ao deus Mitra. O culto de mitra era tão disseminado quanto o
cristianismo no período, sobretudo entre os soldados romanos. Curiosamente, o
mitraismo era uma religião de estrita moral, de um deus (Mitra) que nasce de
uma virgem e a ele é atribuído o domínio do sol invicto, a coroa do mundo e que
é visitado por magos nesse dia... Além disso, o mitraísmo tem como ponto
culminante de sua ritualística uma ceia com pão, água, vinho e carne, teve doze
discípulos, fez muitos milagres, era branco de olhos azuis e cabelos compridos,
morreu e ressuscitou três dias depois...
Dar ou trocar presentes – algo que hoje
atribuímos ao espírito do capitalismo – também era uma prática pagã atribuída a
deusa romana Strenia. Assim como a popular árvore de natal! Nos diferentes
tipos de paganismo a árvore simboliza a fertilidade, a vida, firmeza,
longevidade, sabedoria e ancestralidade. Nos festivais, troncos cortados ou
mesmo as grandes árvores como pinheiros, freixos, seixos e outros eram
enfeitados com pedras, ossos, frutas, etc... Há histórias do velho Odin
visitando o mundo com seu cavalo de oito patas distribuindo presentes a quem
deixasse doces nas meias.
Assim, não importa como você
comemore esse natal. Apenas o faça lembrando do que nos torna tão humanos e
fascinantes! Os valores de bondade, solidariedade, honestidade, gratidão e
unidade. Que façamos nossos brindes, votos lembrando exatamente de tudo que é
necessário, não importando o tipo da crença mas sim o que delas temos de
melhor.
sexta-feira, 22 de dezembro de 2017
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Mudança na Base (Publicado no Jornal Folha dos Lagos de 16/12)
O reconhecimento da educação como
instrumento de cidadania e condição de empregabilidade parece ser consenso,
ainda que o assunto seja pouco discutido ou, quando isso é feito, é de modo
precário ou recheado de componentes de auto-ajuda. Já não é de hoje que os
governos tratam burocraticamente dos temas relacionados à concepção de
educação, lidando com ela como um porquinho no chiqueiro, ou seja, se tiver
tudo ali, água, comida e lama o bichinho se vira sozinho.
A preocupação com a educação
quase sempre é politiqueira. Quantos contratos, quantos empreiteiros, quantos
indicados a posições de direção... Uma engrenagem que se presta exclusivamente
a projetos de poder muito pessoais. Se há algum destaque, é por mérito de
indivíduos e não por um projeto, uma visão, um plano que sabe de onde começa e
para onde vai. No particular, ecos da meritocracia e das aprovações em testes
como aferidores de uma pseudo-qualidade.
Assim é quase certo que os
distintos leitores, apesar de certamente possuírem alguém familiar ou próximo
ainda em idade escolar, desconhecem a recente aprovação da Base Nacional
Curricular Comum, às quais todas as redes devem se adaptar até 2020, a partir
do próximo ano. Apesar da preocupação dos conselheiros, é bastante provável que
a concepção equivocada de sempre prevaleça nas redes, a de que a BNCC deve ser
copiada e colada como um currículo obrigatório, coisa que não é. E não pode,
por força da própria LDB, ser.
São vários pontos importantes.
Com relação ao ensino religioso, ao que parece, um ganho a valorizar o diálogo
produtivo com o conhecimento científico e a prevalência dos temas ligados a
ética, filosofia e valores compartilháveis. O mesmo não se pode dizer da
questão de gênero, ainda obscura e sem a divulgação final do texto que vai
instruir como trabalhar com a temática. Mas ao que indicam os movimentos
anteriores à votação, deve ser algo bastante geral e que provavelmente recairá
sobre questões de respeito e tolerância. A alfabetização é antecipada e
circunscrita aos dois primeiros anos do ensino fundamental, algo que quase
sempre foi realidade na rede privada (que garante alfabetização efetiva logo na
entrada desse segmento) do que na pública, onde “especialistas” teimam em
alongar o “processo”, quase que “por toda a vida”... Não é a toa que o segmento
público ainda tem essa imensa fragilidade justamente a partir dessa etapa. As
competências, por sua vez, não trazem grandes novidades, mas cumprem bem a
idéia de formação integral e holística, valorizando a articulação de saberes,
da articulação ambiental e pelo multiculturalismo. Perfeitamente aplicáveis.
Tudo isso é importante demais para ser ignorado.
É onde tudo começa. Mas esse começo tem gerado um fim obscuro: De acordo com
dados recentes do IBGE aumentou para 28% o número de jovens que, em 2016, não
estudam e nem trabalham. É sintomático e não deve ser interpretado como um dado
isolado. A geração “nem-nem” é muito fruto do que a politicagem fez com a
educação pública e do que a “plastificação” dos sistemas e apostilas fez com a
privada. Somado a isso, os tempos de crise e falta de um “lugar no mundo” para
essa garotada. Sobre isso vale a pena conversarmos numa próxima coluna.
sábado, 9 de dezembro de 2017
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A Pergunta Certa (Publicado no Jornal Folha dos Lagos de 9/12/17)
O brasileiro é um povo tão
intenso quanto efêmero nas suas atitudes. Basta acessar qualquer site de
notícia, mídias convencionais e redes sociais para notar a enxurrada de
denúncias, matérias, provocações, revelações, posicionamentos e comentários
acerca das mais variadas modalidades de malfeitos. Entretanto, basta um piscar
de olhos para que a indignação e o espanto coletivos se percam nas brumas dos
memes, das notícias sobre a chegada de um evento, de um artista famoso ou da
vitória do time favorito no campeonato tão importante.
Os maus políticos são como aquele
personagem dos quadrinhos (agora também do cinema) que manipula o tempo e se
utiliza da barganha como instrumento. Eles sabem que a impunidade é questão de tempo,
preço e articulação. Pode ser realmente que o país esteja mudando de verdade.
Pode ser que vejamos os maus políticos falharem em suas apostas na efemeridade
da memória coletiva. Talvez consigamos viver tempos onde o dinheiro e o poder
não serão mais capazes de produzir dinastias e organizações criminosas
eleitorais.
Mas essa mudança que tanto
incomoda os maus políticos tem partido de uma pergunta fundamental:
Se você
tivesse a oportunidade de garantir poder e muito dinheiro para você, sua
família e um grupo próximo de amigos e com a capacidade de fazer isso durar
bastante tempo, você o faria? Antes de responder, cabe acrescentar: Muito
dinheiro significa comprar todo o luxo e o conforto de uma vida milionária,
comprar a impunidade que fará com que tudo isso se mantenha, comprar pessoas, comprar
sexo, comprar o que você quiser. E isso com o poder de montar um séquito de
dependentes com os quais você poderá manobrar a vontade, pois a sobrevivência
fará deles um corpo dócil de soldados mercenários. Você, com tudo isso nas
mãos, o faria?
Durante muito tempo as pessoas
tem respondido sim a essa pergunta. Tanto os eleitos, quanto os eleitores. Os
eleitos pela certeza até então da impunidade e os eleitores pelo sonho de uma
oportunidade de viver, pelo menos, um pouco como seus eleitos. Entretanto, algumas
pessoas tem respondido não. E não estou me referindo às oposições políticas,
pois o que as diferem muitas vezes da situação é a mera falta de oportunidade
de fazer o mesmo. É surrado o discurso de que o erro do meu político é
justificável e o do meu adversário não.
Falo dos que tem produzido denúncias, apurações, resoluções e exemplos
de combate a tudo o que vem sangrando nossa sociedade.
Não estamos passando dificuldades
em nossa pátria apenas por questões macroeconômicas. Passamos porque nossas opções
estão incorretas. Mas enquanto a diferença entre nós e um político corrupto for
o poder ou o mandato, pouco poderá ser produzido. De nada adiantará tanta
indignação se nas eleições do próximo ano dermos o nosso sim para os que farão
de tudo para que nada mude.
Mas a política não é um vale de
lágrimas absoluto. Existe muita gente boa, honesta e preparada. Com vontade
genuína de realizar em prol do coletivo. Só não se dá oportunidade e nem espaço
para elas. São as pessoas que também respondem não e nós precisamos ter a
inteligência de perceber que elas são o presente e o futuro. Elas não podem
comprar votos ou posições, não são “bem cotadas” pelo olhar do jogo viciado da
politicagem, só que é delas que mais precisamos no momento.
domingo, 15 de outubro de 2017
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Salvem a Educação Brasileira (artigo publicado na Folha dos Lagos de 14/15 de outubro)
Antes que seja tarde demais. A
contar da publicação desta coluna estima-se que levaremos no mínimo dez anos
para, caso realmente a educação se torne uma prioridade, alcançarmos os
primeiros degraus dos países mais avançados. Os exemplos são muitos. Há quatro
décadas éramos proporcionalmente mais ricos que a Coréia do Sul. Tempos mais
tarde a visão coreana priorizando os investimentos na educação inverteu, com
bastante folga, essas posições.
Os problemas brasileiros são bem
conhecidos, ainda que mal estudados. O mais crítico deles esta na esfera das
relações políticas. A começar pela excessiva centralização imposta pelo MEC,
transformando-o numa dispendiosa estrutura de controle. Criado sob a concepção
varguista de um estado forte e educador do povo, permanece com essa herança de
longa duração, impedindo o protagonismo dos estados e a adequação mais efetiva
às múltiplas realidades do nosso país continental. Mas a solução seria
empoderar as secretarias estaduais e municipais? Não é tão simples assim.
Conhecidas de longa data como correias de transmissão das práticas
políticas/eleitorais, as secretarias sofrem com a contaminação dos projetos de
poder. A competência e a experiência ficam quase sempre em segundo plano e isso
se aplica aos professores nomeados para essas tarefas. Afinal, temos muitos
professores ruins e que, por trocados e pela ilusão vaidosa do poder, se
prestam a qualquer serviço.
Além desses fatores, nos baseamos
mais em estatísticas do que em conhecimentos produzidos. O Brasil é campeão
nisso. Em educação já temos estatísticas das estatísticas e elas bastam, sob o
argumento de que os números “falam por si”. Há truísmos como o do investimento
de X por cento em educação. Nada garante que separar 10, 20, 50 ou 70% da
arrecadação para a educação vá gerar melhorias. Afinal, de nada adianta muito
dinheiro mal gasto, ou desviado... Enquanto isso, nos pegamos em planos e mais
planos generalistas que não se refletem seu âmago em três pontos de fundamental
importância: efetividade/tempo, controle social e permanência, não sendo
descartado a menor mudança eleitoral.
É claro que precisamos rever
nosso modo de investir em educação. Hoje basicamente, dos níveis mais
fundamentais ao superior, reduzimos o processo educacional ao mero pagamento de
salários. E em muitos casos nem isso vem acontecendo e sem a menor preocupação
por parte da classe política que aprendeu, faz tempo, a demonizar a luta do
magistério jogando contra ele os pais dos alunos usuários da rede pública.
Fala-se com tanto garbo do futuro das crianças, levando a crer que fazer muito com poucos recursos, sem
remuneração adequada ou mesmo sem remuneração nenhuma, é o dever de todo bom
professor. Chamam isso de amor.
Para comemorar o dia dos
professores precisamos levar a sério tanto o ofício quanto a educação em si, da
formação à estrutura (menos de 1% das escolas brasileiras tem o mínimo
necessário para colocá-las no século XXI), da finalidade aos frutos, das
pesquisas ao desenvolvimento e deste para a formação de uma nova nação.
Basta querer. E para isso a
primeira providência é banir a politicagem da educação, substituindo-a pela
competência (2018 é a primeira chance de surrar nas urnas os politiqueiros da
educação) e pelo espírito público (o lobby dos conglomerados privados em todos
os níveis é absurdamente influente na política). A segunda é priorizá-la como
alavanca de progresso humano e social. A terceira é fazermos isso juntos.
terça-feira, 29 de agosto de 2017
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Soco de Esquerda (Publicado no Jornal Folha dos Lagos de 26/8/17)
Muito pior do que a agressão a um
profissional, como foi o caso recente da professora atingida por um soco pelo
seu aluno, são os comentários e reflexões postadas nas redes sociais por
lideranças religiosas, políticos de mandatos e por sua cáfila de seguidores.
Como entender o argumento de um indivíduo que fala abertamente que as opções políticas
de uma professora, mesmo as equivocadas de acordo com os princípios de quem
critica, são igualmente medidas pela mesma régua, ou seja, riu e apoiou a
“ovada” em político? Agora agüenta calada...
Se não fosse trágico, seria
cômico um pastor defender que os seguidores ou estudiosos de Paulo Freire são
igualmente merecedores desse tipo de iniciativa pois, segundo sua rasteira e
pífia interpretação do que não leu e muito menos conhece, seria Freire o
responsável pela retirada da autoridade do professor ao qualificar os alunos,
como o agressor em questão, como um bando de coitadinhos.
Como um estudioso e prático do
assunto, tenho o pleno direito de discordar de Freire em alguns pontos,
concordar em muitos outros, mas nunca o vi dizendo que os papéis de professor e
alunos se misturam ao ponto do profissional perder sua posição no processo de
ensino-aprendizagem. Tampouco o vi usar o termo “oprimido” como escudo aos
violentos e transgressores, mas como a percepção lúcida de quem sofre com uma
educação de qualidade limítrofe, de empregos de baixo ganho e muita exploração,
de uma vida pouco além do que seria necessário para não ser indigente.
Não lembro igualmente de ver
Paulo Freire usar o nome de Deus para curas falsas, mesmo para os males do
analfabetismo e da ignorância... Não o vi tomar o dinheiro do mais pobre, desse
tal oprimido, prometendo a ele o milagre de uma prosperidade material. Não o vi
enriquecer assim para servir de exemplo de como Deus é bom com uns a custa da
manipulação de muitos.
O que essas pessoas desejam
quando falam de “autoridade do professor”? Como são absolutamente leigos e
rasos no assunto, advogam uma escola na qual a violência seja a pedra de toque
de uma obediência cega, absoluta, marcial. Que o professor tenha a licença para
usar de todos os meios, inclusive o físico, para seviciar e docilizar os corpos
dos seus alunos. Faltou apenas aparecer a hashtag “#VoltaPalmatória”. São os
mesmos que falam aos ventos que a escola pública é doutrinadora de esquerda. Se
houvesse tanta doutrinação como dizem, o país já seria comunista há décadas. E
não vale dizer que só não viramos porque eles, os verdadeiros patriotas,
soldados do Deus verdadeiro, não deixaram isso acontecer.
A violência nas escolas não é um
problema causado pela esquerda. Não é causado por professores de esquerda. Não
é culpa de Paulo Freire, de Marx, Engels ou do PT. É um produto cruzado da
sociedade que somos, com muitas e complexas causas. Mas como entender isso quando se diz que, se
é de esquerda tudo bem, pode apanhar ou aluno bom é aluno morto?
Paulo Freire ainda faz falta.
domingo, 20 de agosto de 2017
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O Despertar da Ignorância (Publicado no jornal Folha dos Lagos de 19/8)
Enganou-se quem acreditou que o
Brasil foi passado a limpo com as recentes operações e investigações. Ao
contrário dos pessimistas, penso que uma coisa positiva prosperou: Colocou em
letras mais nítidas ao mais simples dos cidadãos como funcionam e se articulam
os três poderes para o exercício da corrupção institucionalizada.
É cristalina a convicção de que
as engrenagens que movem a estrutura da corrupção institucionalizada envolvem
mandatários do Executivo, parlamentares, juízes e magistrados de todas as
togas. É a chamada Alta Roda. Daí para baixo, os nichos de poder se dissipam de
modo a agregar uma fração de mando por meio de indicações, controle de verbas
ou mesmo pelo controle de partidos e eleitos mais localizados, como nas
municipalidades. No estômago dessa víbora, lentamente, são digeridos os
ilícitos municipais, estaduais e federais, indistintamente, como parte do mesmo
processo gástrico que a tudo une como alimento indiviso.
As manobras feitas a todo custo e
com elevadíssimo preço para a sociedade para salvar o pescoço da Alta Roda,
foram os ingredientes que faltavam para disseminar na população dois
sentimentos perigosos, a descrença e a radicalização da ignorância.
O primeiro é a zona de lamento
que nos leva ao estado de negação. Generalizamos o tudo na conta do nada presta
e, com isso, ou deixamos de participar ativamente da vida pública ou arrumamos
um modo de fazer parte do jogo, mesmo à boca miúda. A segunda, a radicalização
da ignorância, é também velha conhecida da história. Está por detrás de todos os
movimentos fascistas e arbitrários. A ignorância também generaliza o problema,
mas constrói inimigos úteis a quem os instrumentos do ódio, da violência e da
supressão de direitos fundamentais passam a ser o remédio tão amargo quanto
fictício de todos os seus malefícios.
Nessa perspectiva, os culpados
pelos pecados que afligem a república corrupta são os pobres, os favelados, os
negros, os homossexuais, os indígenas, os alunos das escolas públicas, as
camadas mais massacradas das classes trabalhadoras.
Quando se institui a descrença,
abrem-se as portas para a ignorância radical. E suas raízes estão cada vez mais
longas e capilarizadas, crescendo no mesmo ritmo das redes sociais e demais
mídias de grande alcance. E ela funciona pois é fácil demais de compreender. O
ódio é o sentimento mais simples que existe. Não precisa fazer sentido.
Aponta-se para o objeto que no momento se deseja atingir e vai vivendo de alvos
a cada nova produção de destroços sociais.
E no cenário que temos, com as
decadentes e viciosas instituições nas mãos dos manobristas das safadezas, é de
se esperar pelo pior. Já existem líderes, seguidores e motivos. E a fagulha não
vai tardar em ser acesa.
Lula é o próximo presidente da
república. O ato final de Moro era esperado. Não havia como não condenar o
ex-presidente, pois a peça processual era teleológica, ou seja, desde o início
já se conhecia o fim. O problema eram os meios, o recheio do bolo. Não
conseguiu a robustez que impeça Lula de escapar, mais uma vez, ileso. Mesmo que
todo e qualquer cidadão minimamente informado saiba que Lula também está no
epicentro de toda a trama, o ex-presidente, cuidadoso, soube melhor do que os demais
conservar-se quase intocável.
Moro o tocou de resvalo, mas não
pensemos que vai além disso. Ao deitar a cabeça em descanso na Bíblia, ao fim
do seu trabalho de algoz, talvez antecipasse ou vislumbrasse o fim ou os
problemas que enfrentará na sua carreira de magistrado a partir do próximo ano
com a volta de Lula ao poder. Se for vingativo, não deixará passar em branco
todo o transtorno causado a si e aos seus. Se não for, ao menos não deixará
Moro em paz.
Não vejo outro cenário do que a
segunda instância inocentar o ex-presidente por falta de provas diretas,
concretas e materiais, algo que Moro não conseguiu produzir com todo seu
contorcionismo retórico e todo o conjunto de ilações que mais se ancoraram em
presunções do de que propriamente em provas. Desse modo, não podemos esperar
que uma segunda instância possa levar a sério uma decisão dessa natureza.
E com a absolvição, o tiro sai
definitivamente pela culatra, pois se hoje ele já é imbatível em qualquer
simulação, quando for inocentado, vai verdadeiramente incendiar o país com toda
a força do seu poderoso discurso e sua indiscutível habilidade política,
atacando as reformas, a pobreza, a estagnação, a perseguição dos seus
inquisidores e, não estranhem, atacando a corrupção.
Quem morre definitivamente nesse
cenário é o PSDB. Viveu um conto de fadas com Aécio. Viu a carruagem tornar-se
abóbora e pode piorar ainda mais com o progressivo esvaziamento de suas
lideranças no cenário nacional. Pelo mesmo caminho irão os que não conseguirem
dialogar com Lula e a conversa começa agora.
Assim, a Lava-Jato começa a ficar
muito estranha. Antes acreditava-se que se tratava de uma ação para livrar o
país da corrupção. Agora mais parece uma limpeza que é feita quando uma
quadrilha desanca a outra para ocupar ou reocupar o território dos ilícitos.
Seja como for, somente o Executivo e o Legislativo foram expostos e sangrados.
E a própria operação vem mostrando que mudança de verdade, só ocorrerá quando
chamarem o Judiciário às falas. Enquanto isso...
domingo, 9 de julho de 2017
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Progressiva Descrença (Publicado na Folha dos Lagos de 8/7)
Não acreditar é uma das mais
difíceis e dolorosas experiências. Creio que a infância do gênero humano é
essencialmente crédula. Acreditamos por necessidade de estabelecer sentidos,
compreender esse fenômeno complexo chamado “vida”. Por esses caminhos, fomos
apresentados ao longo das eras às entidades astrais, às forças naturais, aos
deuses humanos e sobre-humanos, a deuses vários ou a um único e soberano
criador.
Mas não é só de re-ligações que
vivemos a experiência de crer. Desenvolvemos a crença nas pessoas e naquilo que
um conjunto de pessoas constrói. Assim nasceram nossos exemplos, nossos
referentes, e as diferentes perspectivas de compreensão de como as coisas são
ou deveriam ser.
Ao longo do tempo, oscilamos o
destino dessas crenças. Já fomos fervorosamente crédulos pela leitura do
maravilhoso como construtor da realidade. Já revertemos essa polaridade,
colocando as coisas como condição de saciedade e complementamos, por antítese,
essa mesma materialidade na forma de estopim revolucionário de uma modalidade
comunal. No meio de tudo isso povoou a imaginação, as mentes e corações, os
mais célebres e influentes seres humanos. Ou seja, já vivemos tempos de
inspiração, seja pela fé, pela ciência e técnica, ou mesmo pela verve e lavra
do pensamento de homens e mulheres de luta.
Hoje somos descrentes. Talvez
porque se cumpra nos tempos atuais alguma espécie de maldição ancestral (ou
pecado original segundo leituras outras...). Ou porque cotidianamente somos
forçados a não acreditar em mais nada e nem em ninguém. Razões para justificar
esse comportamento são fartas. No campo das religiões, o charlatanismo, as
alegorias, adereços e devaneios das corporações da fé, ávidas em produzir uma
indústria pródiga em vender a diferentes preços tudo o que o capitalismo nega
em seu corte de classe: saúde, riqueza e fama.
Tampouco acreditamos nas pessoas.
Nos políticos então nem se fala. Motivos também são fartos e é quase fato
consumado que são raríssimas, escassas, quase míticas as possibilidades de
renovarmos o atual estado de coisas, pois as caras novas são, não raro, apenas
a pele que cobre o corpo nefasto da continuidade de práticas e pensamentos que,
em seu todo, são a razão do nosso descrer.
Mas ainda há uma luz no fim do
túnel. E ao escrever isso admito a crença ao invés do descrer. Isso porque
ainda existe ou resiste a arte, a literatura, a pesquisa, as crenças que aliam
a mística do incompreensível à compreensão da experiência dramática da
humanidade. Mas é forçoso reconhecer que essa luz é um fósforo em meio ao vazio
das trevas. Mas já ilumina algo. E é isso e isso apenas o que temos para
começar a transformação. O resto é combustível.
Recentemente pude aprender
algumas lições em política, afinal, ela é dinâmica. Para conquistar a
consideração do distinto leitor e a brandura da diagramação deste espaço, vou
nominar apenas três.
A primeira lição é a de que
qualquer transformação só pode surgir do processo revolucionário.
Desconsiderando momentaneamente sobre qual lado político a promova e se virá
pela mudança radical de pensamento e comportamento ou pela via da força, o que
nos importa nesse breve instante é a afirmação de que os poderes constituídos
são centrífugos e tendem a conservação. Observemos bem as estratégias do
Planalto e de seus aliados, bem como de todos os políticos e demais envolvidos
com os malfeitos contra a nação e a República, e vamos concluir que as peças
estão se movendo rumo ao acerto das arestas. Se as investigações não podem
retroagir, podem ser impedidas, sustadas, arquivadas, desconsideradas, negadas
e, para isso, basta que se coloquem as pessoas certas nos lugares certos em
defesa do errado.
Já não resta muita dúvida que as
recentes modificações na Procuradoria Geral da República, bem como do
comportamento da base parlamentar vá dar ao país um desfecho diferente do que
imaginamos, a vitória do argumento de um país cambaleante que precisa de paz
para ser reformado. O problema é que toda e qualquer reforma, no momento, é
como uma demão de cal rala em paredes tomadas de mofo e podridão.
A segunda lição recente, e que
deve ser aprendida rápido por quem tem apetite em política é de que não existe
fila. O político que espera sua vez na fila para lutar pela possibilidade de
ver seus ideais concretizados em mandato está fadado ao ocaso precoce. Toda e
qualquer fila é um arranjo provisório e desconsidera a dinâmica dos fatos e,
não raro, presta-se mais ao serviço da formação de dinastias do que
propriamente a oxigenação, crescimento e fortificação de grupos políticos.
A primeira conhecemos bem, os
processos dinásticos das famílias políticas, dos coronéis que exerceram o
mandonismo nos campos e nas cidades. O resultado quase sempre não acaba bem. Ao
menos para o povo, com plena certeza. Já a oxigenação faz um grupo crescer e
prosperar. Para isso basta deixar que a política faça seu trabalho, pois ela
mostra de fato qual candidato possui as condições para ser a nova liderança. E
quanto mais se antecipa esse destino mais se mostra a fragilidade do nome
posto, pois precisa desesperadamente ser inflado mais pela mão que ameaça o
tapa do que a mão que afaga e conquista.
Exemplo maior disto é a crise
pelas quais os partidos que tinham seus presidenciáveis consolidados – vários
deles na base da “marra” – e que com os recentes escândalos já podem ser
considerados cartas fora do baralho. E como os grupos e partidos gastaram
precioso tempo em movimentos de conformação com seus fatos consumados, agora se
remoem de modo caótico em busca de figuras que possam ser adesivadas no coração
do povo. Não é fácil. O PSDB que o diga.
A terceira e última lição é a de
que cada político paga o preço por quem escolhe para assessorá-lo. As delações
mostram fartamente as mochilas, malas e outras tantas artimanhas que, em nome
dos políticos ou a mando deles, se fazem no troca-troca criminoso do tráfico de
influência. E tapear um político parece ser tão fácil quanto ele tapear o povo.
Se assim não fosse, não teríamos tanta gente ruim e desqualificada sendo
incensada como gurus e mentores, bem remunerados. É hora do político voltar a
ser o protagonista do elenco.
terça-feira, 6 de junho de 2017
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Sair da Crise (Publicado no jornal Folha dos Lagos, edição de 03/6)
Não é novidade para nenhum
brasileiro que estejamos vivendo momentos de crise. Entretanto, tenho me
perguntado a razão pela qual concentramos nossos esforços apenas no que tange
os indicadores e, sobretudo, nos arranjos que possibilitam meramente o retorno
de uma situação indesejada para um tempo que, se não era melhor, pelo menos
oferecia certa previsibilidade.Na minha opinião isso é pouco. Muito pouco. O
econômico prevalece tendo em vista o enfrentamento de atrasos salariais,
rombos, desvios , fraudes e toda sorte de problemas ocasionados pela gestão
temerária que contava, até os dias em que a justiça dormitava, com a quase
certeza da impunidade. Os tempos são outros, mas as soluções parecem ser as
mesmas. Ao invés de aproveitarmos os momentos ruins como alavancas criativas
para a inserção de nossa sociedade no século XXI, voltamos às velhas práticas
messiânicas, dos salvadores personalistas e de modos de se ratear o poder de
maneira a que os esquemas de sempre se camuflem ou na discrição ou na pele
imberbe das novas caras, filhotes diretos ou indiretos das velhas raposas.
Por isso me arrisco a dizer que
não estamos numa única crise. Estamos vivenciando um conjunto de crises
sobrepostas. A econômica talvez seja a mais auto evidente, mas temos outras de
tamanha importância como a crise na ordem dos valores. Elementos estruturantes
de qualquer sociedade, os valores que notoriamente necessitam ser redescobertos
e ressignificados com urgência, como a solidariedade, a fraternidade, a ética,
a honestidade e o respeito, poderiam ser o alicerce ou mesmo o estopim de uma
explosão revolucionária da condição do ser humano. Mas nós só discutimos números e indicadores.
Não há como pensar uma saída
definitiva para crise sem assumirmos um compromisso com a redução da pobreza e
da desigualdade. A pobreza é estruturante também, pois cria mecanismos muito
difíceis de serem superados pelo mero esforço pessoal. E esse cenário piora ainda mais quando
mesclado com outras condicionantes como a violência. A saída da pobreza não
será unicamente pela porta do consumo facilitado, que mais endivida do que estabiliza.
Ainda que o consumo seja um fator importante, o que está por trás dessa relação
é a posse de algo como objeto de reconhecimento social. Em outras palavras, nós
compramos algo para existir para o outro. Sob esse prisma dá para pensar na
quantidade de pessoas que hoje não existem ou estão tentando se tornar
visíveis.
A educação, obviamente, é uma das
saídas permanentes para o conjunto das crises. Entretanto, ainda temos uma das
mais arcaicas do mundo contemporâneo. Nossa incapacidade de gerar pensamento
teórico e metodológico compatíveis com as demandas atuais só perde para nossa
gestão, ainda aferroada a práticas que pouco diferem do
matriarcalismo/patriarcalismo. Enquanto oferecermos aos planos politiqueiros a
prerrogativa de nomear os condutores dessa instância, sofreremos
terminantemente com o atraso, com o improviso ou, o que é pior, com o tipo de
gestor que, viciado em redes sociais e mídias, anuncia uma chuva de reuniões,
iniciativas, projetos e tratativas, sem que nenhuma produza efeito. É a
sociedade do espetáculo onde o estar fazendo (quantitativo) é visto como sinal
de produtividade, mesmo sem nenhuma efetividade. Se desejarmos deixar de ser um
ponto fora da curva do progresso e do desenvolvimento, teremos que repensar de
modo mais holístico o que chamamos de crise e tentar solucioná-las com algo que
é valorizado em qualquer país desenvolvido, as pessoas, os valores e o conhecimento.
segunda-feira, 29 de maio de 2017
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Desentendam o Brasil (Publicado no Jornal Folha dos Lagos - Edição de 27/05)
Definitivamente o Brasil não é
para amadores. Compreender de maneira analítica a realidade foge a toda e
qualquer possibilidade racional. Houve um tempo que até aqui mesmo era mais
simples saber como as coisas eram concebidas e praticadas, sobretudo na
política. Na Colônia a Metrópole e seus prepostos mandavam no grosso mas no
local eram os “homens bons” que controlavam os poderes que se prendem ao
cotidiano. No Império, nossos tons pastéis que diferenciavam de modo mais
livresco que pragmático os liberais dos conservadores tinham no pé despótico do
Poder Moderador a garantia de que tudo estaria absolutamente sob controle (em
tese ao menos). Nasceu a República, ainda encantada com as espadas e os ventos
de uma teoria estrangeira, filha cheia de sangue imperial em suas colunas, cuja
depuração foi aos poucos produzindo algo peculiar, o mandonismo, o café com
leite e a reafirmação do nosso lugar no mundo como fornecedores do que a terra
generosamente dava, isso até o período em que Vargas criou ou recriou o
trabalhador urbano e um Brasil de política oscilante, dançarina entre os salões
liberais e corporativos.
Um ponto comum a todos os tempos
era e é o nosso jeito de cimentar nosso edifício político. A historiografia
desde o século passado já identificara nossa tendência a familiaridade, uma
cordialidade que estende o chapéu do público como extensão do privado. Sendo
assim, o que hoje consideramos legalmente como corrupção, na estrita
observância do fundamento, é relativizado pelo crivo da particularidade. Ou
seja, mesmo que a lei favoreça o mais óbvio entendimento, conseguimos dobrá-la,
ignorá-la, torcê-la sob o ponto de vista da relatividade do argumento.
Trocando em miúdos, é sintomática
a libertação das mulheres de Eduardo Cunha, absolvida, e de Sergio Cabral, em
prisão domiciliar. É absolutamente estapafúrdio manter um presidente no cargo
após robustas evidências, que vão para além do modus operandi amplamente sabido
e praticado por todos que jogam nessas mesmas regras e se medem pelas mesmas
réguas; e caçar uma anterior por supostas “pedaladas” ou pelo simples argumento
da falta de governabilidade. O espetáculo dado pelos deputados, com direito a
introduções que iam da saudação a torturadores a saudação de Deus e a família,
deveria ser redobrada diante da corrupção e da imoralidade no trato da coisa
pública hoje.
Deveria ser triplicado com sonoro não para cada reforma que
estilhaça a dignidade dos mais fracos.
Mas não há tempo para nada disso.
O país parece um brinquedo capenga, desorientado, girando a esmo tentando achar
um eixo. Daí o paradoxo. Dos nomes que até o exato momento se apresentaram para
suceder a tempestade nenhum foge dos três cenários possíveis: um circo de
horrores brutal, uma escancarada plutocracia ou o arranjo corrupto. Para piorar não se pode suceder o próprio
povo. Ele é o que é. Ainda que o vitimismo tente justificar a corrupção dos
pequenos como defesa contra os grandes, a verdade desnuda é que essa é nossa
matriz. O resto é palanque para esquerdistas e direitistas. Se o Brasil for
coerente com sua história e o povo com suas escolhas, postos os indícios
recentes de nossas instituições executivas, legislativas e judiciárias, tudo
leva a cotar na bolsa de apostas que a solução para todos os nossos problemas está
exatamente no uso daquilo que é causa de todos eles.
domingo, 21 de maio de 2017
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Roubo dos Deuses (Coluna publicada na Folha dos Lagos - Edição de 20 de maio de 2017)
Prometeu e Epimeteu haviam
recebido uma tarefa de grande importância dada pelos deuses: a criação de todos
animais. Todos receberam seus dons e
características que dispensam maiores considerações. A uns sagacidade; a outros
garras, força e assim por diante. Tudo ia bem até a hora de se constituir o
homem. Esgotados os melhores recursos, a matéria com a qual compuseram o tímido
animal era o frágil barro e pouco restou à derradeira obra que impusesse o
domínio sobre o restante da criação. A solução de Prometeu era singular. Roubar
o fogo dos deuses e, com ele, dar ao homem a maior de todas as fortunas.
Entretanto, um roubo desta envergadura não passaria despercebido no Olimpo. O
julgamento de Prometeu foi rápido e o castigo, duradouro. Preso no Cáucaso
teria um corvo diariamente devorando seu fígado, que igualmente se regeneraria,
numa cena que deveria perdurar por trinta mil anos.
A criação de um modelo
contemporâneo de político brasileiro tem suas analogias com o mito. Feitos de
matéria cada vez mais frágil, do barro ao papel, os mandatários poderiam buscar
sua força e o poder de fazer naquilo que é condição essencial do processo
democrático, a representatividade. Entretanto, é assustadoramente numerosa a
quantidade de envolvidos no assalto ao Olimpo. Preferiram roubar o fogo sagrado
e com ele tentar criar uma espécie suprema de inatingíveis, invulneráveis e
indestrutíveis: semi-deuses acima de tudo e todos.
Se a justiça será tão eficiente
quando o julgamento de Zeus não é certo, assim como o castigo. Nada do que foi
revelado até o momento pode ser considerado surpresa no Brasil, a não ser que a
pessoa nunca tenha lido um livro de história ou vivenciando uma eleição. E
justamente por não ser surpresa, o que nos sobra é apenas a sensação de
decepção pelo fato de Prometeu não ter sido cuidadoso o suficiente para não
deixar o rastro das chamas roubadas incendiarem toda a terra. Nosso ódio é pela
corrupção que não deu certo, que não manteve a estrutura que beneficia do
pequeno ao grande ereta.
Talvez seja por isso que a
esquerda peça o retorno de quem sempre soube lidar com os deuses de modo que
eles não se sentissem propriamente roubados, mas participantes de um grande
investimento que traria benefícios a todos. Talvez seja também por isso que o
atual presidente venha decepcionando tanto, pois resolveu roubar o fogo
doméstico para levá-lo aos céus. Roubou do homem em favor dos deuses e eles,
caprichosos, não perdoaram ironicamente sua pretensão de subir ao monte
sagrado.
Se Hesíodo estivesse vivo, teria
uma excelente oportunidade de contar uma história intrigante: a das delações
que entregam o caráter de um povo que, para eleger um corrupto, se olha no
espelho como um Narciso apaixonado pelo que vê.
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